“Do cômico ao excitante, haveria somente um passo?” Milan Kundera
As comédias nacionais são a nova vedete dos barões da indústria cinematográfica. Tradicionalmente, o Brasil é um país onde o humor se impõe, não por acaso aqui se instala a “piada pronta” e também os ditados, que buscam elaborar e mistificar uma realidade que tende para a fantasia, a caricatura. Essa característica pode ser vista em outras áreas, por exemplo, as artes plásticas, através das charges, e mais recentemente o teatro também vem sendo alvo de um número excessivo de montagens cômicas, especialmente após o aparecimento da categoria denominada “stand-up comedy”, uma importação norte-americana, como se supõe pelo nome.
No cinema essa “tradição oral” é mais antiga. O primeiro gênero que se estabeleceu na telona como linguagem brasileira, embora obviamente influenciado pela cultura europeia, foi o das chanchadas, típica comédia de costumes. Por essa brecha entraram para a história da arte brasileira nomes como Grande Otelo, Oscarito, Dercy Gonçalves, Consuelo Leandro e o pioneiríssimo Ankito, raro caso de artista que ainda assinava sem sobrenome. Num segundo momento, referenciado por essa trupe, o cinema apresentou um leque mais variado, tanto de humor quanto de abordagem, através inclusive da pornochanchada, que acrescentava a nudez e o erotismo a situações ridículas e absurdas. Daí para frente houve a consagração de Jorge Dória, Tonico Pereira, Hugo Carvana e muitos outros baluartes do estilo.
A renovação desse método, que já ocorrera no teatro e na televisão com nomes como Chico Anysio, Miguel Falabella, Jô Soares e Tom Cavalcanti, chega agora ao cinema, que por muito tempo se considerou demasiado sério e importante para tais brincadeiras, ignorando a densidade do riso na formação da crítica e da consciência. Glauber Rocha com seu “Cinema Novo” não o admitia, embora o “Cinema Marginal” de Rogério Sganzerla pensasse francamente ao contrário, como comprova a utilização das personagens de Zé Bonitinho, o Jorge Loredo, e Zé do Caixão, o José Mojica Marins, em seus filmes. A se lamentar que o momento atual seja tomado pela ganância de embolsar uns milhões, e não a gana de produzir uma obra impactante, de relevância sociocultural, ao invés da mera política do entretenimento. A enxurrada de mesmo ritmo também elimina a qualidade da diversidade, tão cara a um povo mestiço como o brasileiro.
O humor, como se sabe, não é digno de uma nota só. Perpassa pela ironia, dá entrada ao sarcasmo, abre a porta para o deboche, convida para o escracho e se envolve até com a melancolia. Há o humor de Chaplin, o humor de Benigni, o de Totó e o de Zacarias, todos distintos entre si. Com o sucesso da “Porta dos Fundos” na internet muitos dos participantes migraram para o cinema e a televisão. Ocorre é que quando apostam apenas na reprodução daquela linguagem para os respectivos meios pecam pela repetição, a ausência de repertório que é, em última análise, o defeito aparente do humor no cinema nacional nessa década. A mimese do modelo norte-americano de entretenimento também soa vulgar e desgastada, com vistas somente para a audiência. Desta maneira, ao cinema escapa o viés artístico, pois se estende no cabide à mão do cliente. Sempre haverá quem ria. Mas que riso é esse?
Raphael Vidigal
Fotos: montagem com ícones do humor nacional; e foto do comediante Ankito, respectivamente.