A nudez no cinema brasileiro

*por Raphael Vidigal

“e o charme da novidade caía pouco a pouco, como uma vestimenta, deixando ver nua a eterna monotonia da paixão, que sempre tem as mesmas formas e a mesma linguagem.” Gustave Flaubert

A pornochanchada talvez tenha sido a época de maior popularidade do cinema brasileiro. Certamente não a de maior prestígio. Concorre, no auge, com o sucesso do seu antecessor de quem herdou parte do nome, as chanchadas nacionais. Essa designação atende à conhecida comédia de costumes. A diferença de uma para outra está, justamente, na inserção de um dos elementos responsáveis pelo aumento do público: a nudez. Curioso notar que embora tenha grande parte da cultura de massa influenciada pelo modelo norte-americano, neste ponto o cinema nacional se diferenciou bastante. Não é segredo que a tolerância dos Estados Unidos hollywoodiano com a violência é inversamente proporcional ao sexo.

Neste período de intensa repressão decorrente da ditadura militar instaurada no Brasil, a pornochanchada valeu-se de carta branca para mostrar o sexo. Afinal de contas, as preocupações eram com as mensagens engajadas dos artistas tropicalistas, do cinema novo e do teatro oficina, para focar em alguns exemplos, em temas que exploravam questões mais abrangentes e menos particulares que as ligadas ao amor e ao sexo. Este estilo criou alguns ícones e se apropriou de outros. Por exemplo, Nelson Rodrigues, um dos autores mais adaptados para as telonas, e os atores Paulo César Peréio, Sônia Braga, Darlene Glória, Lucélia Santos. A intensa exploração do corpo, sobretudo das mulheres, nas filmagens, levou algumas a renegarem a participação nesses clássicos.

A aceitação deste corpo desprovido de adereços na tela grande expõe pontos de conflito presentes em toda a cultura nacional. Não é de hoje que o Brasil é considerada uma nação hipócrita, cuja permissividade carnavalesca se opõe com veemência a pautas mais progressistas, como adoção de crianças por casais do mesmo sexo, descriminalização do aborto e do uso de drogas. O que sugere, na verdade, um comportamento fortemente marcado pela conotação machista, de coronelismo, da imposição de uma figura autoritária e intolerante. Verdade seja dita, embora houvesse cenas dos dois sexos a prioridade da pornochanchada era mostrar mulheres nuas. Por isso a adaptação de “O Homem Nu” é tão importante.

Feita em 1968, com direção de Roberto dos Santos e Paulo José no papel principal, a primeira versão cinematográfica do romance de Fernando Sabino contou ainda com vários nomes de primeira linha no seu elenco estrelado. Dentre eles, Hugo Carvana, Lúcia Veríssimo, Daniel Dantas, Isabel Fillardis, Maria Zilda, Milton Gonçalves, Antônio Pedro, Miele, e outros. Mas foi, sobretudo, a película estrelada por Cláudio Marzo, que também participara da anterior, e lançada em 1997, que melhor preencheu o imaginário popular a respeito daquela pitoresca história. Hugo Carvana também se faz presente de novo, desta feita como diretor. Não fosse por estes irrequietos e despudorados combatentes do senso comum, o cinema e a literatura nacional estariam restritos a um único close.

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Fotos: cartaz do filme citado e cena de “O Homem Nu”, versão de 1997, com Cláudio Marzo.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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