Relembre 13 grandes sucessos de Ivan Lins que estão cada vez mais atuais

*por Raphael Vidigal

“Havia uma esperança sem alvo, uma felicidade vaga;” Gustave Flaubert

Segundo Ivan Lins, “o Brasil está sendo governado por pessoas completamente não preparadas para o governo”. “A gente precisa superar essa fase e trazer o verdadeiro Brasil de volta. Eu acho que, passando esse delírio, não só a música, mas todos os segmentos de atividade humana no Brasil vão voltar ao estado normal e o Brasil pode continuar sendo adorado no mundo inteiro, como nós sempre fomos”, conclama. Sempre antenado e sensível às causas sociais e estéticas do país, com um apuro poucas vezes alcançado, o compositor detém clássicos que se atualizam a cada dia diante de nossos ouvidos. Para isso conta com parceiros como Vítor Martins e Ronaldo Monteiro.

“Madalena” (MPB, 1970) – Ivan Lins e Ronaldo Monteiro
Ivan Lins fazia parte do MAU (Movimento Artístico Universitário), que, durante a resistência cultural à ditatura reunia futuros astros da música popular brasileira, casos de Gonzaguinha, Aldir Blanc e César Costa Filho. Esse grupo se reunia na casa do psiquiatra Aloísio Porto Carreiro e de sua esposa Maria Ruth.

Foi lá que surgiu “Madalena”, um samba com toda a pinta de MPB, composto por Ivan Lins e Ronaldo Monteiro. Atenta às novidades, Elis Regina logo pescou a pérola e gravou a música em 1970, que recebeu um arranjo especial de Chiquinho de Morais, com destaque para o toque de seu piano. “Oh Madalena, o meu peito percebeu/ Que o mar é uma gota/ Comparado ao pranto meu…”, interpreta Elis.

“Deixa Eu Dizer” (MPB, 1973) – Ivan Lins e Ronaldo Monteiro
Claudya ficou, durante muito tempo, relegada a um injusto limbo. Até que, em 2008, o rapper Marcelo D2 incluiu um sample de “Deixa Eu Dizer” na música “Desabafo”: “Deixa, deixa, deixa eu dizer/ O que penso desta vida/ Preciso demais desabafar”, ecoava a voz límpida e de largo alcance. Composição de Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza que deu nome ao álbum lançado pela cantora em 1973, a música traz evidente teor de protesto, e a junção das duas músicas a partir da criação do rapper Marcelo D2 provou que algumas posturas resistem ao tempo muito bem. Afinal de contas, Claudya não desiste fácil.

“Abre Alas” (MPB, 1974) – Ivan Lins e Vítor Martins
Em 1974, Ivan Lins e Vítor Martins iniciaram uma das mais bem-sucedidas parcerias da MPB. E foi, justamente, com a música “Abre Alas”, que assim os apresentava para o rol de sucessos da música brasileira. A composição se insurgia contra os desmandos da ditadura militar de forma subliminar, poética, como Vítor se habituou a fazer, contando ainda com o piano ritmado de Ivan Lins. Lançada naquele mesmo ano, ela recebeu duas versões marcantes: uma do Quarteto em Cy, e a outra em interpretação estrangeira de Sarah Vaughan.

“Somos Todos Iguais Nesta Noite [É O Circo de Novo]” (MPB, 1977) – Ivan Lins e Vítor Martins
Ivan Lins aparece vestido de mágico na capa do LP lançado por ele em 1977, tirando um abacaxi da cartola, enquanto, ao fundo, há alusões a domadores, leões, acrobatas e equilibristas. Era uma crítica sutil e sagaz à ditadura militar brasileira, que obrigava os artistas a se virarem para sobreviver, lançando mão de metáforas e outras artimanhas verbais e físicas, a fim de preservarem alguma liberdade.

Ao mesmo tempo, também era uma homenagem ao circo, como explicitava o subtítulo de “Somos Todos Iguais Nesta Noite”, também conhecida como “É O Circo de Novo”. Mais uma parceria de sucesso da dupla formada por Ivan Lins e Vítor Martins, a música se tornou um clássico popular.

“Cartomante” (MPB, 1977) – Ivan Lins e Vítor Martins
“Se voltando para uma linguagem e uma postura mais engajadas, desde o tenso disco ‘Elis’ (1973), os projetos ‘Falso Brilhante’ (1975/1977), ‘Transversal do Tempo’ (1977/1978) e ‘Saudade do Brasil’ (1980) constituem uma espécie de trilogia de uma poderosa reação estética à repressão. Elis deu uma guinada impressionante em sua trajetória e se tornou uma artista extremamente politizada para além do âmbito artístico, promovendo ações em favor da redemocratização, das eleições diretas e dos direitos políticos das minorias”, reflete Renato Contente, autor de “Não Se Assuste Pessoa! – As Personas Políticas de Gal Costa e Elis Regina na Ditadura Militar”. Uma das canções que melhor reflete esse posicionamento é “Cartomante”, de Ivan Lins e Vítor Martins, lançada por Elis Regina no ano de 1977.

“Bandeira do Divino” (folia de reis, 1978) – Ivan Lins e Vítor Martins
Tradicionalmente, é em 6 de janeiro que se desmontam os principais artigos da decoração natalina, como a árvore e o presépio. A data simboliza o dia em que os Três Reis Magos teriam visitado o menino Cristo e oferecido a ele ouro, incenso e mirra. No Brasil, essas ofertas ganharam os tons de fitas coloridas, tambores e muita musicalidade, e se tornou a Folia de Reis, cantada por vários compositores. Em 1978, Ivan Lins e Vítor Martins prestaram sua homenagem à manifestação cultural com “Bandeira do Divino”, em que Ivan aparecia na capa como se tivesse sido fichado pela política, num claro protesto contra a ditadura.

“Começar de Novo” (balada, 1979) – Ivan Lins e Vítor Martins
Uma música de Ivan Lins e Vítor Martins provocou uma mudança no comportamento artístico de Maria Bethânia, ironicamente porque ela não a gravou. Em 1979, a dupla de compositores foi convocada a criar uma canção para a série “Malu Mulher”, da Rede Globo, estrelada por Regina Duarte.

Oferecida a Maria Bethânia, acabou recusada porque ela já havia fechado o repertório do novo disco, e “não podia se arriscar à tentação de ter que muda-lo”. Nana Caymmi, e Elis Regina, também estavam na mesma condição. Assim, “Começar de Novo” foi parar na voz de Simone, que a consagrou. A partir de então, Bethânia garantiu que jamais consideraria estar com um repertório totalmente fechado. No mesmo ano, Ivan Lins também regravou o hit.

“Desesperar Jamais” (samba, 1979) – Ivan Lins e Vítor Martins
Vítor Martins está presente na letra de canções como “Desesperar Jamais”, “Cartomante”, “Novo Tempo”, “Somos Todos Iguais Esta Noite” e “Bandeira do Divino”, que Ivan Lins considera dialogarem diretamente com o atual cenário político e cultural do Brasil, a que ele acrescenta “Deixa Eu Dizer”, parceria com Ronaldo Monteiro que estourou na voz da cantora Claudya na década de 1970.

“Todas essas músicas foram feitas para um outro momento também horrível que nós passamos, que foi a ditadura, mas continuam valendo até hoje”. “Desesperar Jamais”, um samba ao mesmo tempo sofisticado e popular, talvez seja a expressão mais pungente do histórico político do povo brasileiro. A música foi lançada em 1979, pelo próprio Ivan Lins. Um sucesso atemporal.

“Aos Nossos Filhos” (MPB, 1980) – Ivan Lins e Vítor Martins
O engajamento levou Elis Regina a se tornar uma das primeiras personalidades a se filiar ao, à época incipiente, Partido dos Trabalhadores (PT), a ponto de criar intimidade com o ex-presidente Lula, que compareceu ao velório da artista, em 1982. “Elis e Lula eram fascinados um pelo outro. Ela falava sobre ele com animação e admiração, e vice-versa”, relata o pesquisador Renato Contente.

Ele aponta que “Elis já esboçava uma reação estética à ditadura mais consolidada, e tomou de vez o bastão da resistência a partir do espetáculo ‘Falso Brilhante’”, cujo repertório agregava “Como Nossos Pais” e “Velha Roupa Colorida”, de Belchior, “Um Por Todos”, de João Bosco e Aldir Blanc, e “Gracias a La Vida”, de Violeta Parra. Outro marco foi o espetáculo “Saudade do Brasil”, de 1980, em que Elis dava voz à melancólica e pungente “Aos Nossos Filhos”, de Ivan Lins e Vítor Martins, um tributo aos que se foram naqueles tempos de crueldade deliberada pelo Estado.

“Bilhete” (MPB, 1980) – Ivan Lins e Vítor Martins
Ivan Lins e o parceiro Vitor Martins passavam o mês de dezembro em Teresópolis, na região serrana do Rio, e, há dias, tentavam compor uma canção sem sucesso. Diante da situação, Dona Carmelita, a empregada, sugeriu que eles fossem a uma benzedeira da região conhecida como Madalena. Lá, eles receberam alguns passes, e, no dia seguinte, a inspiração para “Bilhete” subitamente apareceu.

A música foi lançada por Ivan Lins em 1980 que acredita que Vitor, autor da letra, estava tomado por uma entidade feminina. No ano seguinte, Dóris Monteiro concedeu sua versão para a música, regravada com enorme sucesso por Fafá de Belém em 1982, para o disco “Essencial”. A música acabou na trilha da novela “Sol de Verão”, da TV Globo.

“Novo Tempo” (MPB, 1980) – Ivan Lins e Vítor Martins
O teclado inconfundível de Ivan Lins se tornou tão presente na cabeça dos brasileiros quanto os versos escritos por Vítor Martins para a parceria da dupla, lançada em 1980, com o título de “Novo Tempo”. Com um forte teor de esperança, a música serviu como manual de autoajuda para muita gente e segue como uma das mais executadas em épocas de virada de ano. Pelo período em que foi composta, a canção também se tornou uma espécie de hino contra a ditadura militar no Brasil, e hoje já contabiliza mais de 40 regravações.

“Vitoriosa” (balada, 1985) – Ivan Lins e Vítor Martins
O Brasil ainda vivia sob o domínio de uma ditadura militar quando Gal Costa tornou-se a primeira mulher a cantar, com sucesso de dimensões nacionais, a palavra “sexo” na música brasileira. “Pérola Negra”, de Luiz Melodia, era uma das faixas do icônico álbum “Fa-Tal: Gal a Todo Vapor” – paradigma do movimento tropicalista – e trazia em seu refrão o trecho “tente entender tudo mais sobre o sexo”. Já em 1985, Vítor Martins e Ivan Lins provocaram outra mudança comportamental ao abordar o prazer feminino de maneira direita e lírica: “Quero sua alegria escandalosa/ Vitoriosa por não ter/ Vergonha de aprender como se goza”. E “Vitoriosa” virou trilha da novela “Roque Santeiro”.

“Cegos de Luz” (MPB, 1996) – Ivan Lins e Aldir Blanc
Durante a ditadura militar, Ivan Lins e Aldir Blanc formaram, ao lado de Gonzaguinha, César Costa Filho e de outros colegas do ambiente estudantil, o MAU (Movimento Artístico Universitário). O grupo se reunia com frequência na casa do psiquiatra Aluízio Porto Carreiro para longas conversas e rodas de violão e pretendia, principalmente, ampliar o espaço para a música autoral no país.

A amizade entre Ivan e Aldir perdurou até que, em 1996, eles criaram “Cegos de Luz”, gravada por Leila Pinheiro e regravada pelo próprio Ivan Lins. Juntos, Ivan e Aldir também criaram “Festas”, “Por Favor”, “Pequeno Circo Íntimo” e “Clareou”, esta última com a presença do sambista Moacyr Luz como parceiro.

Foto: Carlos Ramos/Divulgação

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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