Paulinho Moska: ‘O Brasil foi sequestrado por um miliciano e paga a conta’

*por Raphael Vidigal

“na rua
sem resistir
me chamam
torno a existir” Paulo Leminski

As chamas que atingiram o Museu Nacional em setembro de 2018 deixaram um rastro de destruição que abalou uma rica história, construída ao longo de duzentos anos. Do rescaldo do incêndio, madeiras de mais de um século se transformaram em violões pelas mãos de Davi Lopes, bombeiro que trabalhou no combate às chamas e que também é luthier (aquele que constrói instrumentos), e, agora, estão nas mãos de Paulinho Moska.

Como tantos outros artistas, Moska se tornou padrinho dos instrumentos, e promete tocar, com eles, “canções bem conhecidas” de sua trajetória, casos de “Pensando em Você”, “Namora Comigo”, “A Seta e o Alvo”, “Quantas Vidas Você Tem?”, dentre outras. “Depois de quase dois anos sem cantar ao vivo, acho que o público merece cantar junto, merece esse abraço e nós, artistas, também queremos dialogar com as canções conhecidas porque, se o abraço ainda não é possível, que a música cumpra esse papel”, justifica o intérprete.

Blues. O próprio Moska se surpreendeu com o fato de essas músicas, compostas em diferentes momentos de sua carreira, terem tanto a dizer sobre o momento de pandemia que enfrentamos. “Como eu escrevo muito metaforicamente, as canções ganharam um sentido novo”, observa. Outra garantida no repertório é “Blues do Ano 2000”, lançada por ele em 1997, no disco “Através do Espelho: Ao Vivo no Rival”, o primeiro que ele gravou nesse formato. A música nasceu de uma letra de Cazuza (1958-1990) encontrada postumamente em seus cadernos pela mãe, Lucinha Araújo, e entregue a George Israel, que compôs a melodia com Nilo Romero.

“Tive o privilégio de ter como produtor dos meus primeiros discos o Nilo Romero, que produziu os primeiros e mais importantes discos do Cazuza”, destaca Moska, explicando a ponte que o levou até a canção, cujos versos prometem: “Se até o ano 2000 o mundo não acabar/ E eu estiver vivo na rua ou num bar/ Eu vou pra sempre te esperar”. Muito antes de gravar a canção, Moska se habituou a ver Cazuza no Baixo Leblon. “Ele não era meu amigo, porque a geração dele é anterior à minha, eu era bem mais novo, mas eu o via sempre lá e na praia de Ipanema. Ele era aquele ídolo jovem, quase amigo, que frequentava os mesmos lugares. Foi um foguete que passou assim lindo no céu”, exalta.

Geração 80. “Cazuza foi um príncipe da minha geração, no sentido de que ele representava a alegria da juventude, a ousadia, todos os meus amigos se identificavam com ele, com as letras”, complementa Moska. Nos anos 80, Moska era um adolescente de 13 anos, que sonhava em ter uma banda de rock, o que aconteceu em 1989, quando ele fundou os Inimigos do Rei, que chegou às rádios com o hit “Uma Barata Chamada Kafka”. “Todo movimento de rock dos anos 80 serviu de trilha sonora das festas, dos primeiros namoros, das primeiras canções que eu tirei. O rock dos anos 80 representa exatamente o início da minha juventude e da paixão pelo violão”, destaca.

“O próprio rock brasileiro dos anos 80 me levou a escutar o rock inglês e americano com muito entusiasmo”. Ainda hoje, essa formação se faz presente. “Eu viajo com uma banda muito roqueira graças a essa influência primeira do rock na minha vida”. Antes disso tudo, porém, a casa do garoto era abarrotada de Roberto Carlos, ídolo supremo da mãe, de quem ele puxa a primeira lembrança musical. O pai comprou um aparelho conhecido como “três em um”, com vitrola para disco de vinil, gravador e tocador de fita-cassete e rádio, com duas caixas externas. “Eu ficava com a cabeça encostada na caixa, querendo entrar dentro da música”, confessa Moska. De alguma maneira, ele conseguiu.

Formação. Além de Roberto Carlos, outras memórias o levam a um disco ao vivo de Tom Jobim, Vinicius de Moraes e Toquinho; um álbum da banda punk The Clash que o irmão mais velho trouxe dos Estados Unidos; e mais uma porção contendo Fagner, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Djavan, Milton Nascimento, numa lista infinita. A MPB dominava o lar. Com 13 anos, vendo o irmão compor, resolveu tentar a mesma sorte. A primeira criação aconteceu em uma colônia de férias, onde conheceu André Abujamra. O episódio é relatado na música “Curriculum”, de Abujamra, lançada em 2004.

“Tive uma infância legal, ia até para o acampamento dos Pumas, por falar nisso, eu fui garoto Puma em julho de 80 e janeiro de 81 e foi lá que conheci meu grande amigo que hoje é um grande artista. Ele é o Paulo de Araújo que as pessoas conhecem como Paulinho Moska. E agora mudou! É só Moska. A gente se conheceu na sala de vidro e já sabia que nosso negócio era o palco”, dizem os versos, cantados recitativamente. Com Abujamra, Moska aprendeu alguns acordes; com o irmão, outros. Já na adolescência, tomou a dose necessária de coragem para se inscrever em um festival na escola e decolou.

Profissional. Com 17 anos, Moska começou a cantar em um coral “muito louco e muito bom” do Rio de Janeiro: Garganta Profunda. A aventura era regida pelo músico Marcos Leite (1953-2002), considerado um mestre, que morreu precocemente aos 50 anos, vítima de um tumor no cérebro. Moska participou de dois LPs, “Orquestra de Vozes: A Garganta Profunda” (1986), e “Yes, Nós Temos Braguinha” (1987).

De lá, partiu para os Inimigos do Rei. “Conheci o Brasil inteiro, toquei pra muita gente e comecei a aprender como é que se fazia e como se trabalhava com música”. Desde então, ele já soma 15 álbuns na carreira-solo e uma bem-sucedida empreitada como apresentador do programa “Zoombido” no Canal Brasil, além de várias participações especiais.

Megafone. O que não o anima são os rumos da política no país. “Na minha visão particular, mas não solitária, eu acho que o Brasil foi sequestrado, é assim que eu me sinto, refém de um sequestro”, desabafa. “Quem nos sequestrou foi um miliciano, já com histórico de milícia. O Brasil caiu em uma armadilha violenta e agora a gente está pagando esse preço”, lamenta, em referência ao Presidente da República, Jair Bolsonaro, atualmente filiado ao PL.

“A cultura sofre muito porque parece que é o maior inimigo desse governo, justamente porque nós, artistas, temos voz. A arte é um grande megafone porque ela amplia os discursos, a voz do povo ecoa através desse megafone artístico que inclui a música, as artes plásticas, a poesia, o cinema, o teatro”, enumera o cantor.

Esperança. Na opinião de Moska, “a cultura sempre resistiu e sempre vai resistir”. “A arte sempre foi um meio revolucionário de protestar, então a gente precisa ter esperança de que essa cultura também nos eleve. Temos esse ano todo de luta para chegarmos a uma mudança que nos ofereça mais oportunidades em todos os sentidos e, no mínimo, a gente volte a ter a política como ela era, na essência, e não o que ela se tornou”, diferencia.

“A política, para mim, são acordos para melhorar o mundo, é uma ética da polis, ou seja, o modo de uma cidade existir. Como uma cidade existe pra piorar? Como um país existe pra piorar? Isso não tem sentido. Precisamos ir atrás da verdadeira política”, conclama. Para finalizar, o desejo de Moska é voltar pra estrada, já que a saudade é tanta, “e compor novas canções, felizes, chega de tristeza, é isso aí”.

Foto: CCBB/Divulgação.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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