Os hinos de futebol na música brasileira

“Vou torcer pro time que sou fã/Vou levar foguetes e bandeira!
Não vai ser de brincadeira/Ele vai ser campeão!
Não quero cadeira numerada/Vou ficar na arquibancada
Pra sentir mais emoção!/Porque meu time bota pra ferver
E o nome dele são vocês que vão dizer…” Neguinho da Beija-Flor

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Os quatro grandes clubes da cidade do Rio de Janeiro, além do à época popular, América, tiveram seus hinos compostos pelo não menos popular Lamartine Babo. Famoso pelas composições carnavalescas, mas também por peças românticas e valsas, sendo a mais conhecida uma parceria com Ary Barroso (“No Rancho Fundo”), não chega a ser espantoso o êxito de Lamartine nas duas frentes. Se formos prestar atenção existe um quê de glória, de exaltação, de alegria tanto no gênero da marchinha quanto no hino. Todas as outras agremiações cariocas também foram agraciadas pelo compositor, como o Bangu, Madureira, Bonsucesso, Olaria, São Cristóvão e Canto do Rio. Isso foi fruto de um desafio proposto pelo radialista Heber de Boscoli, que dividia com Lamartine os holofotes do programa “Trem da Alegria”. Ao enorme sucesso de uma marchinha em homenagem ao Flamengo, Heber solicitou que Babo tirasse da cartola um hino por dia, para os 11 times da primeira divisão do certame local.

Pelo talento de Lamartine Babo, os torcedores de Flamengo, Fluminense, Botafogo e Vasco entoam a plenos pulmões os versos de exaltação e glória, além dos resistentes e bravos apaixonados pelo América, clube de coração de Lamartine. Tim Maia emprestou como ninguém a potência da voz para celebrar essas músicas, com exceção do Botafogo, legou registros impressionantes dos clubes cariocas. Ele, outro apaixonado e torcedor convicto do América-RJ nos faz crer ser este o mais bonito dos hinos. Prova do poder da palavra e da intenção dos sentimentos. Em São Paulo, o radialista Lauro D’Ávila foi o responsável por compor melodia e letra do hino do Corinthians, clube mais popular do estado. Fundador do São Paulo Futebol Clube, Porfírio da Paz, político brasileiro com participação no governo de Getúlio Vargas, compôs o hino do clube mais vencedor brasileiro. Com a conquista de três campeonatos mundiais, três Libertadores da América e seis títulos do campeonato brasileiro.

No caso do outro grande clube da capital paulista há uma curiosidade. Muitos cometem o erro de acreditar que o hino do Palmeiras foi composto em dupla, quando na verdade Antonio Sergi e Gennaro Rodrigues tratam-se da mesma pessoa. É que o italiano, assim como a agremiação, compositor, maestro e regente de orquestra gostava de adotar o segundo nome como pseudônimo. Em relação ao Santos, que revelou para o futebol mundial Pelé, o maior atleta do esporte de todos os tempos, aí sim existe uma parceria. E em família. Mangeri Sobrinho e Mangeri Neto deram conta das notas e versos do hino do Peixe, clube do litoral paulista que por esse motivo adotou a mascote aquática. Em Minas Gerais a ideia das mascotes foi levada ao pé da letra na composição do hino do Galo, o Atlético Mineiro, por Vicente Mota, e da Raposa, o Cruzeiro, por Jadir Ambrósio. O primeiro se inspirou no espírito aguerrido da agremiação e da fanática torcida, o segundo na astúcia do à época presidente azul Mário Grosso.

Já no Rio Grande do Sul as criações dos hinos são cercadas de questões controversas, polêmicas e incorreções políticas. O autor do hino do Internacional, Nélson Silva, nasceu no Rio de Janeiro, e era torcedor do Flamengo até o dia em que foi impedido de assistir a uma partida contra o Grêmio. Tudo por conta de sua cor. Nélson era negro. Essa violência logo o motivou a trocar de camisa, para preservar aquela que era a própria pele. A ligação do clube colorado com atletas e torcedores negros, e por conseguinte, mais pobres, é um dos pontos fundamentais no combate ao racismo, que ainda se vê, não apenas na esfera esportiva, mas em todo o território nacional, e inclusive no exterior, sobretudo na Europa. Nesse quesito, importante a menção ao Vasco da Gama, outro pioneiro em abrir as portas para atletas negros. Por outro lado, o Fluminense não o admitia, levando jogadores a colorirem a pele com “pó de arroz”, expressão responsável até hoje por um dos apelidos do clube.

Como os clubes cariocas, o Grêmio recebeu o privilégio de ter o hino composto por um dos galardões do cancioneiro tupiniquim. Lupicínio Rodrigues, conhecido por ter inventado a expressão e o estilo musical da “dor de cotovelo”, conferiu à sua paixão futebolística a mesma cor e as hipérboles das entregas no amor. Não é figura de imagem quando diz: “Até a pé nós iremos/Para o que der e vier/Mas o certo é que nós estaremos/Com o Grêmio/Onde o Grêmio estiver”. Quem der um pulo nos versos de Lupicínio para suas mulheres verá que ele era capaz de muito mais por amor. A Bahia que deu ao Brasil nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Gal Costa, Ivete Sangalo, Glauber Rocha, Dias Gomes, Jorge Amado, João Ubaldo Ribeiro, Gordurinha, Othon Bastos, Helena Ignez, Tom Zé, Moraes Moreira e tantos outros, é também o único estado do nordeste a consagrar um campeão brasileiro, em 1959 e 1988, cujo hino foi composto por Adroaldo Ribeiro Costa.

O grande rival do Bahia, o Vitória, conhecido como Leão do Bonfim, teve hino composto por Walter Queiroz, músico de Salvador que chegou a vencer um quadro de improvisação musical no lendário programa de Flávio Cavalcante. Outras composições imortalizadas na sua região, no seu quintal, e sobretudo no carnaval, foram “Vista a sua mortalha”, e “Cheguei de azul”, para o não menos celebrado “Bloco do Jacu”, na década de 70. Homero Réboli, cujo pai Gino Réboli havia sido jogador do Coritiba na década de 1940, e Cláudio Ribeiro, compuseram juntos, além de muitos sambas-enredos, o hino oficial do campeão brasileiro de 1985. Donde mais uma vez se nota as semelhanças das duas celebrações: futebol e carnaval. O curioso desta história é que a inspiração para o hino “coxa-branca”, como é conhecido o clube do ídolo Alex, baixou em Homero às vésperas do encerramento para as inscrições do concurso. Dribles do destino. O hino do arquirrival Atlético se vale da conotação firme do apelido.

Com referência ao fenômeno do “furacão”, pelo qual ficou conhecido o Clube Atlético Paranaense, campeão brasileiro de futebol no ano de 2001, o hino composto por Zinder Lins e Genésio Ramalho contou com a colaboração e a forcinha do Capitão Othonio Benvenuto. Tudo por ter regido, junto a seu Corpo de Bombeiros do Estado da Guanabara, no Rio de Janeiro, a composição, que emocionou não só aos apaixonados pelo clube, mas a outros adoradores da combinação vermelha e preta. Com início nas comemorações do bicampeonato estadual de 1929 e 1930, a música passou por alterações ao longo dos anos até receber a definitiva forma no ano de 1968. Nesta mesma época foi gravada pelo conjunto “Titulares do Ritmo”, e eleita em concurso da rádio Record de São Paulo como o hino mais bonito do futebol brasileiro. Evidentemente os torcedores do tradicionalíssimo clube pernambucano Sport, o Leão da Ilha, discordam. E preferem a música de autoria de Eunitônio Edir Pereira. Oswaldo Guilherme, autor de sucessos como “Raízes”, “Franqueza” e “Conselho”, muitas gravadas, entre outros, por Maysa e Nora Ney, também pode requisitar para si este prêmio. É ele o criador do hino do Guarani de Campinas, conhecido como Bugre, o campeão brasileiro do ano de 1978, este sim, unanimemente joga no estádio que tem o nome mais bonito do Brasil. Brinco de Ouro da Princesa. No que Nelson Rodrigues, um dos melhores cronistas do nosso futebol, provavelmente discordaria. É que o futebol é imprevisível. Emite coisas como o “sobrenatural de Almeida”.

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Raphael Vidigal

Fotos: escudos dos clubes citados e montagem com Lupicínio Rodrigues e Lamartine Babo, respectivamente.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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