Carnaval

Festa da Música

Hoje é carnaval.
Amanhã ainda é carnaval.
Não porque esteja próxima uma quarta-feira de cinzas.
Nem porque virou farra o som de buzinas.
Mas porque carnaval está além de data no calendário.
É a heroica alegria da bagunça e da patuscada.
De se fantasiar e mascarar e perceber o desarrumado cenário belo de fantasias, máscaras e perdidas ilusões brilhantes.
No carnaval, face desordeira da humanidade.
Face divertida, bem resolvida, com muito alarde.
Se tudo arrumado perde contato com a superfície mais fina de uma mera alegria, não deixe de brincar no carnaval.

“Anda Luzia, pega o pandeiro, vem pro carnaval
Anda Luzia, que essa tristeza lhe faz muito mal
Apronta a tua fantasia
Alegra teu olhar profundo
A vida dura só um dia, Luzia
E não se leva nada desse mundo”

Eu quero é botar meu bloco na rua (marcha-rancho, 1972) – Sérgio Sampaio
Com sua loucura lúcida, como disse Lygia Fagundes Telles de Caio Fernando Abreu, Sérgio Sampaio criou uma das mais emblemáticas canções de carnaval de todos os tempos. Em meio à ditadura militar que se instaurara no Brasil, o compositor baiano, tido por muitos como maldito, dá uma aura lamentosa à festa popular mais famosa do país, ao entoar versos confessionais em tom melancólico, emendando logo na seqüência o refrão esperançoso que garantiu o sucesso da canção: “Eu quero é botar meu bloco na rua, brincar, botar pra gemer…”. Além do conteúdo sexual abordado no refrão há também referências ao uso de drogas, tudo feito com muito deboche, misturando lamento e alegria e dando seu aval definitivo à festa máxima brasileira: o carnaval.

Alô…Alô…? (samba, 1973) – André Filho [canta Maria Alcina]
Com vestimentas exóticas e coloridas e uma voz potente e grave, Maria Alcina sempre foi uma das artistas mais controversas do país, tendo sido censurada na época da ditadura e sumido definitivamente do imaginário do grande público devido ao episódio. “Alô…Alô…?”, de André Filho, foi gravada originalmente por Carmen Miranda e o Bando da Lua em 1941, e regravada por Alcina em seu disco de estréia em 1973. Alcina é uma das cantoras que mais regravou e se aproximou do estilo alegre e espontâneo da portuguesa enraizada brasileira e se tornou um ícone carnavalesco nacional, pois mesmo maldita, representa o carnaval na essência. Uma artista que foi perseguida e sofreu preconceitos e, no entanto, jamais abandonou a ousadia e a alegria, continuando a desfilar com plumas e paetês, confetes e serpentinas pelas passarelas do carnaval no qual ela transforma a vida.

Jardineira, Pastorinhas, Máscara Negra & O teu cabelo não nega (marchinhas, 1979) – [cantam Raul Seixas e Wanderléa]
Pode se estranhar que o mais famoso roqueiro brasileiro e a musa da Jovem Guarda estejam nessa lista, mas em 1979, quando gravaram juntos as marchinhas “Jardineira”, de Benedito Lacerda e Humberto Porto, “Mal me quer”, “Pastorinhas”, de Braguinha e Noel Rosa, “Máscara Negra”, de Zé Ketti e Pereira Matos e “O teu cabelo não nega”, de Lamartine Babo, nenhum dos dois estava mais no auge e nem representavam o primeiro time de cantores de marchinhas de carnaval daquele tempo nem de tempo nenhum. Esse dueto inusitado revela a invasão de dois ícones de gêneros completamente diferentes num dos mais fechados e protegidos patrimônios nacionais. Raul Seixas e Wanderléa cantando marchinhas tradicionalíssimas de carnaval são, portanto, dois marginais.

Raphael Vidigal

Texto produzido para o blog “Velvet Club” no dia 12/02/2010.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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