O conto da loucura: Elo Mar

“Então um homem não pode simplesmente abrir uma porta e olhar?” Clarice Lispector

Tarsila-do-Amaral-lua

Acordei louco, uma manhã de setembro. Numa bela manhã de setembro, acordei louco. Com aquele bilhete: “todas essas esferas construídas juntas desabarão”. Meus olhos ardem como ampulhetas carregadas de areia. O tempo, cruel lagarto. Ouço a “Estrela Maga dos Ciganos”, de Elomar, o místico medieval e sertanejo da viola cravada, retirada da pedra, qual espada. Encolhem o deserto de seus ombros, patas nos córregos cansadas. Cigano, esparsa fadas fitas jasmins cabelos. Loiros e cobiçadas morenas. Peito alargado, dum cavalheiro das cortinas.  Andarilho das minhas aspirações aspirinas. Mímico de minhas ilusões (originais) jogadas.

Repousa tuas expectativas na sombra duma árvore frondosa, lá jazem esquecidas, como cinzas de um cigarro recolhidas pelo austero poder. Chora tua saliva fora de lugar, que encontrou nos olhos abrigo melhor que a boca. Caverna repentina, repetindo os repentes dos que caminham no sol a pino, cometendo crimes como o “Estrangeiro”, romance – vivo de Albert Camus. Caminha feito tartaruga, fuga da terra lentamente, nada n’água tuas mais serenas mágoas. Assenta a abelha bem dentr´dedos hasteados para o ventre da mãe serena. Enterre tuas crias e as deixe ao sal molhado do mar; quem sabe ele as dê destino melhor que tua circunstância irrefreável. Fuja das próprias agruras.

Nem o cacto tem destino perverso e covarde como o ser humano. Coma do teu próprio leite esborrife o sulfuroso óleo de tua seca cara. Fira fera firme. Amoleça a carne suplicante. Berre fulgor. Arme-se dos dentes ao morrer do dia; o sol que queima tuas colinas está bem atrás. De você

“E assim os dias, os últimos dias, turvam-se na memória, nebulosos, outonais, semelhantes a folhas de árvore” Truman Capote

Que esforço/mérito há na retribuição pura e simplesmente? Como explicar que as ameixas mais machucadas, de carne mais avermelhada, são justamente, doces? Dum verde que só se vê por baixo, reluz em sua aspereza tornar-se outra cor, escura. Maconha chinesa. O sol se espreguiça em lentes. Puxa os riscos do caderno infantil da natureza. Esticar a corda da inocência. Náufragos, testemunhas. Laivos num susto! Talvez possa ser nossa miséria e contribuição. Tentando dar forma a coisas informais. Chega uma hora que essa vida acostumada te cansa, mácula. Tinta e verniz, a cheirar. Marcante. Mercante das prováveis sobriedades respingadas. Faísca um ranço de pavor do I mundo. Grunhido, pavor pequeno. Bocejo: soletrar crismas, cofres, rachaduras. O “Pequeno Circo Íntimo”, de Aldir Blanc:

“Todo o meu amor para o homem-bala, atirado aos leões. (…) Pra contorcionista, que padece da coluna. (…) Pro atirador que voltou a faca, contra a própria jugular…”

Melado. Cor de pastel. É um privilégio estarmos embolados aos arames farpados. Fraques franzindo as arestas do corpo que TE deforma. Lã, tecido, barbantes, aferraram-se. Junto a uma pose-cerimônia afã. Pregos, engrenagens, mofo, cascalho. O escaravelho da veneziana repica sonhos, esquivas tentativas dum passado vão. Agulhas dissimuladas espetam o chafariz da dor. Chamariz chama risque. Esfregando o óleo. Secas. Solvente. Indissolúvel desejo de chamar-lhe Anita. Uma travesti aguda. Eu já vi essa mulher antes. Eu já vi essa pessoa antes? Eu nunca mais as verei? Brusco movimento, água derramada. Um corte, na mão. Quero cuidar de você para sempre. Borbulhar. Olhos de gato. Dimensão abafada

Brando. Pasma. Mansa. Áspera.

Rangido de janelas e almas. Arrancando insone rumo ao desespero arrefeceu e pousou com suas pequenas rodas. Encabulado pela visão camerística da cidade: bandolins de Luperce Miranda!

Tudo parece precoce. Tubo turbulento turvo. Vulgar, agnóstico. Despojamento beija o bico do sabiá. Curva-lhe as unhas. Cai num “Abismo de rosas”, de Canhoto. Vocações espremidas. Repentinas, variadas.

Admira, espreita insólito. Curvas contam as fibras e fímbrias animais humanas despidas nuas. Chora um amparo. Película de um rolo chamuscado: Perseguem de toda maneira a verdade pura em busca de um conforto. No máximo, aproxima-se. Há sempre uma neblina entre muros. Há frases bonitas, mas o resto é de uma incompletude inconsolável. Uma coisa de crítica à própria obra. Num harpejo virou um anjo.

Portas abertas assombram.

Tarsila-do-Amaral-Sol-Poente

Raphael Vidigal

Pinturas: “A Lua” e “Sol Poente”, de Tarsila do Amaral.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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