Maria Rita: “Até onde a gente vai apanhar enquanto povo?”

“mergulha no sonho/ anterior às artes,
quando a forma hesita/ em consubstanciar-se.
Canta os elementos/ em busca de forma.
Entretanto a vida/ elege semblante.” Carlos Drummond de Andrade

Maria Rita, 42, não força a barra quando diz que passou “muito mal de emoção”. A expressão é literal. “Me escondi no banheiro, porque achei que fosse desmaiar”, conta. O apuro aconteceu na cerimônia de entrega do Prêmio da União Brasileira dos Compositores (UBC) para Milton Nascimento, laureado pelo conjunto da obra na sede da associação, no Rio de Janeiro, em outubro. Durante a homenagem, Maria Rita cantou “Morro Velho”, lançada no primeiro álbum de Bituca, em 1967. “Essas composições mexem muito comigo. Sou suspeita para falar do Clube da Esquina, tenho um envolvimento próximo, e essa atemporalidade das canções me choca até hoje. É arrebatador”, enaltece. Há cerca de sete anos, a intérprete gravou, com Seu Jorge, uma versão para “Vento de Maio” (Telo e Márcio Borges), eternizada no canto de Elis Regina. O dueto chegou à internet em abril.

1 – No seu disco mais recente, “Amor e Música”, você reafirmou sua aposta no samba, e agora apresenta um show só de piano e voz. O que te estimulou a investir nesse formato?
O “Voz:Piano” é um show que existe desde 2011. O projeto nasceu do pedido de um contratante, de um fabricante de equipamentos, que estava lançando uma mesa de som para monitoração de palco e ele me perguntou se eu tinha um show em formato de voz e piano. Como era um contratante muito importante, um parceiro muito bacana, eu criei esse show no início de 2011. Por conta deste formato mais compacto, o “Voz:Piano” é um show que atende tanto a um mercado de show corporativo quanto ao meu público em geral, e é um projeto que eu adoro. Tendo dito isto, é um formato muito diferente de um show de turnê, primeiro até pela ausência de uma identidade visual. Não tem cenário, é um pano preto no fundo. São só os dois músicos com uma iluminação bonita no palco e eu cuido disso com muito zelo. É um desafio muito grande pela intimidade, pela ausência de sons. É um show muito silencioso e, no meu entender, é no silêncio que a gente faz os mergulhos mais importantes e tem a possibilidade de acessar sentimentos, histórias e lembranças. Isso é muito visível no palco, é quase como se a gente estivesse na sala da minha casa conversando através da música. É um show que eu canto muito e falo muito também. Eu faço muita questão de manter esse show na minha vida por conta desses desafios.

2 – De que maneira você selecionou o repertório para esse espetáculo e que critério guiou a escolha das canções?
Como é um show que já tem oito anos, o repertório já rodou muito. Tem algumas músicas que sobrevivem, aquelas velhas de guerra, mas eu mudo muito o roteiro. Eu canto muita coisa que nunca gravei, tem muito do que eu estou sentindo no momento. Tem horas que eu canso de cantar certas canções e eu troco, então o critério, acima das vontades da cantora que tem a liberdade de escolher o seu próprio repertório, o que acontece em cima do palco, são músicas que mexem muito comigo. São canções que eu gosto de ouvir, que gosto de cantar pela casa, muitas das quais não canto há muito tempo, e que o público gosta de cantar. Tem um pouco de tudo e acaba trazendo um tom de intimidade que é muito diferente do que o meu público está acostumado a ver.

3 – Você registrou com Seu Jorge uma nova versão para a música “Vento de Maio”, de Telo e Márcio Borges, eternizada por sua mãe, Elis Regina. Como foi essa experiência e qual a sua relação com a música mineira e o Clube da Esquina?
Essa história é muito louca. Essa música a gente gravou quando eu estava amamentando a minha filha. Tem quase sete anos essa gravação e eu nem sabia que tinha sido lançada em abril. Eu sou muito suspeita para falar desse repertório, do Clube da Esquina especificamente, porque é uma música que a minha mãe gravou, então tem uma alegria quase infundada. E, depois, fazer isso com o Seu Jorge, que tem aquele timbre, ele é um ‘monstro’, um artista incrível, um dos artistas mais completos do Brasil, foi uma honra muito grande. Ele tem uma característica muito singular, que você percebe no olhar dele, da intensidade de uma pessoa que viveu muito. Como eu disse, sou muito suspeita para falar do Clube da Esquina, tenho um envolvimento próximo, e essa atemporalidade das canções me choca até hoje. Outro dia o Bituca foi homenageado aqui no Rio na UBC (União Brasileira dos Compositores) e eu fiquei ouvindo escondida porque estava muito emocionada. Me escondi no banheiro porque achei que fosse desmaiar. Eu literalmente passei muito mal de emoção (risos). Aquelas composições, aquelas parcerias mexem muito comigo, é realmente arrebatador.

4 – O seu irmão mais velho, João Marcello Bôscoli, acaba de lançar o livro “Elis e Eu”, sobre a relação dele com a mãe de vocês. Chegou a ler o livro? Se sim, o que achou? Pensa em fazer algo parecido? Qual a memória mais marcante que você tem com a Elis?
Não consegui ler ainda o livro do meu irmão e não tenho a mínima vontade de escrever sobre o meu relacionamento com a minha mãe. Primeiro, porque não lembro dela, tenho zero lembrança e, segundo, porque o pouco de relacionamento que tenho com ela é meu. Eu não tenho que compartilhar, já falo muito dela nas entrevistas. Já tomei muita porrada de muita gente ignorante por isso. Quase abandonei a carreira por conta disso, então sigo uma linha de preservar o pouco de relacionamento que tenho com ela. Não tenho interesse e não tenho material para escrever um livro.

5 – Como tem sido a experiência no júri do programa Popstar, da Globo, e o que te estimulou a aceitar esse convite?
Meu estímulo maior em estar no Popstar é devolver para a música o que a música me traz. Eu existo nesse planeta por causa da música, então sempre que tenho a oportunidade de retribuir eu retribuo. Eu sou produtora, produzi quase todos os meus discos, então eu tenho alguma experiência para passar. Não digo isso de uma forma prepotente, digo isso com um sentimento de gratidão. Acho isso muito legal porque o Popstar tem um descompromisso e os artistas que estão lá não têm um contrato para assinar. Muitos ali têm uma carreira consolidada, seja no jornalismo, seja no futebol, nos palcos, na televisão, no cinema, e isso acaba trazendo uma leveza bacana. Fica mais difícil para mim porque eu sou muito crítica. Ao mesmo tempo facilita, porque não tem o mesmo peso. E todos ali estão muito entregues, é bonito de se ver. Já vi artistas de cinema, com carreira consolidada, subirem no palco e ficarem nervosos. Acho incrível esse compromisso, porque demonstra respeito para com os artistas que estão trabalhando com eles, os músicos, arranjadores, os produtores, e o público que está assistindo. Eu me divirto muito, é muito diferente de tudo o que eu faço na vida e isso me atrai também.

6 – Como tem visto o momento político do Brasil?
É uma mistura de piada de mau gosto com sombras. Estamos vivendo um período sombrio, em que não sabemos quem são os nossos inimigos. Essa capacidade das redes sociais de invadir as nossas vidas é uma coisa que me assusta. É cretino a gente não saber quem é o inimigo. O governo cada vez mais isolado, cada vez mais odioso. Não consigo entender um plano de poder única e exclusivamente baseado no revanchismo. Acho pequeno, imaturo, perigoso. Resumindo, acho tudo de ruim, não estou vendo nada de positivo. A forma como essa crise ambiental no Nordeste está sendo administrada é patética, dá raiva. E, no final das contas, o que fica de ensinamento para a nossa alma humana é o tanto que temos de capacidade para resistir à vontade de desistir. Até onde a gente vai? Até onde a gente vai apanhar enquanto povo? Até onde a gente vai aguentar? E o que vai ser feito disto daqui a algum tempo?

7 – Qual a sua opinião sobre a prisão do ex-presidente Lula?
Eu acho que a partir do momento que está sendo mostrado que todo o processo é duvidoso, tudo passa a ser duvidoso. Em linhas gerais, se houve mentira, se houve abuso, que seja julgado, mas de uma forma honesta. É aquela velha máxima que ouvimos desde criança: ‘dois errados não fazem um certo’. Não dá para comprovar uma suposta falcatrua fazendo falcatrua. Os fins não justificam os meios para nenhum dos dois lados. É provável que o telhado seja de vidro no lado do PT, mas, ainda assim, foi o governo que mais fez pelo povo. Eu acho que se o Lula fez, ele tem que pagar, mas dois errados não fazem um certo. E eu acho isso revoltante. E o que aconteceu de lá para cá, especialmente com relação à eleição presidencial, é assustador. Eu escolho defender a bandeira de que o Lula deve ser julgado de forma correta, de forma honesta, dentro do que exige a lei nacional.

Raphael Vidigal

Fotos: Marcos Hermes; e Baú Urbano/Divulgação, respectivamente.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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