Jade Baraldo lança clipe e diz: ‘Seguiremos na luta, eu não vou desistir’

*por Raphael Vidigal

“como alguém põe uma sombra numa luz intensa ou cobre um pêssego em brasa, por estar muito maduro, muito forte, muito pleno, com uma folha verde.” Virginia Woolf

Uma capa feita com calda de chocolate povoa as primeiras lembranças musicais de Jade Baraldo, 21. A jovem cantora nascida em Brusque, no interior de Santa Catarina, se recorda de, aos 6 anos de idade, pegar o CD dos Tribalistas (2002) para escutar e “ficar apaixonada”. O encarte criado pelo artista plástico Vik Muniz chamou tanta atenção da garota quanto as canções compostas por Marisa Monte, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes. A inclinação para expandir o universo cultural, no entanto, era anterior e vinha, literalmente, do berço, já que o pai, violonista, e a mãe de Jade formavam uma dupla que se apresentava em bares da região.

Foi na pré-adolescência, quando ela aprendeu a tocar violão sozinha, que a faísca se converteu em chama. “Brusque é uma cidade onde todo mundo se conhece, então a gente juntava uma galera de 5 pessoas pra tocar e aquilo se espalhava. Descobri os primeiros passos da composição e, dali por diante, foi tudo muito rápido”, conta. Em 2016, ela deixou a cidade natal em direção ao Rio de Janeiro, meca da produção artística no país, e se tornou semifinalista do The Voice Brasil, programa da Rede Globo dedicado a descobrir novos talentos musicais.

Estreia. “Minha carreira começou praticamente ali, porque antes eu só fazia vídeos no YouTube e não tinha contato com o público, era eu atrás de uma câmera. De repente, eu estava cantando para milhões de pessoas. Tive que aprender na marra, o que me trouxe muitas informações, casca e pessoas maravilhosas que estão comigo até hoje”, exalta. “Foi uma experiência fundamental, que me abriu muitas portas e me aproximou de pessoas com o mesmo propósito, eu soube filtrar bem tudo isso”, completa. Na sequência, Jade colocou na praça o seu single de estreia. “Brasa”, com produção do francês Damien Seth, consolidou-se como um sucesso viral ao alcançar, em poucas semanas, o topo do Spotify.

Autoral, a música popularizou o contundente refrão: “Vadia, louca, depravada/ Te quero na cama, na rua/ No carro, na escada/ Lambe, esfria, bate, esquenta/ Eu quero, agora aguenta”. “Várias coisas me inspiram a compor: fenômenos da natureza, acontecimentos da vida, questões pessoais, intrigas internas”, enumera ela. “O processo, geralmente, começa com a letra, mas não necessariamente. Depois me junto ao meu parceiro Mauricio Oliveira para colocar a melodia e vamos construindo a música do zero”. A dupla assina “Yo Quiero!”, que, recentemente, ganhou uma versão em espanhol. “Estava procurando criar algo numa frequência mais dançante, latina, porque a maioria das minhas canções tem uma vibe lenta, de baladas intensas”, explica a intérprete.

Estética. O desejo por “uma textura mais colorida” a levou a imaginar como a cantora espanhola Rosalía comporia em português. O exercício resultou em “Yo Quiero!”, que, assim como “Brasa”, também deu vazão a um videoclipe caprichado, uma das marcas registradas de Jade. “Penso na imagem visual de um trabalho como se fosse uma capa, que eu troco conforme perceba que deva me desvincular ou que eu não pertença mais a ela”, declara. Lançado no ano passado, “Mais Que os Olhos Podem Ver”, álbum inaugural de Jade, trouxe uma imagem de impacto na capa, com lágrimas de sangue escorrendo do rosto da anfitriã. Figurinos ousados, cheios de badulaques ou com boa parte do corpo à mostra, são outra aposta da artista.

“Sempre deixo evidente na própria música a personalidade do que quero passar. Adoro artistas e cantoras pop e carrego essa influência para o meu trabalho. Não é porque canto MPB que tenho que seguir algum tipo de regrinha. Estou sempre me reinventando e gosto de aspectos fortes visualmente”, afirma ela, que se declara fã de Lady Gaga e da cantora Banks. “Separo minhas referências por personalidade, canto e composição. Esses fatores se juntam, mas são diferentes”, observa. Entre as intérpretes, ela elege a gaúcha Elis Regina (1945-1982) e a norte-americana Sarah Vaughan (1924-1990) como prediletas. Não por acaso, logo que desembarcou no Rio, Jade se associou ao guitarrista de jazz Hélio Delmiro, que tocou com ambas. Juntos, eles registraram uma versão para “Bonita”, clássico de Tom Jobim, disponível no canal de Jade no YouTube e, atualmente, com quase 90 mil visualizações.

Estilo. O disco “Mais Que os Olhos Podem Ver” enfileira dez faixas autorais, casos de “Perigo”, “Nós 2” e “Encosto”, e apresenta uma sonoridade peculiar, que promove o encontro entre influências distintas que fizeram a cabeça de Jade. “A vida toda, eu escutei muita MPB, então, na hora de compor, tenho essa vertente de puxar pelas melodias brasileiras mais clássicas, é algo que trago dentro de mim, desde pequena. Ao mesmo tempo, gosto de misturar essa MPB com uma pegada contemporânea, que é o beat (batida eletrônica) que está aí e me atraiu muito. Sou de uma geração um pouco mais nova em relação às referências que eu escuto”, aponta. Nesse sentido, a iraniana Sevdaliza surge como uma espécie de farol.

“Ela tem uma pegada trap, com umas melodias muito loucas, não convencionais, às vezes não tem refrão. E a produção é refinada, minimalista, com cada detalhe em seu devido lugar, tudo muito bem arquitetado”, elogia a entrevistada, que ainda cita Alina Baraz, cantora de R&B norte-americana e Billie Eilish, mais afeita ao pop. Habituada a dar voz às próprias aflições, Jade recebeu, em 2019 – quando também marcou presença no Rock in Rio –, um convite de Pedro Luís para participar do projeto Macro, calcado na intersecção entre música e artes visuais. O que pouca gente sabe é que, anteriormente, havia acontecido justamente o inverso. “No primeiro show que fiz no Rio, em Botafogo, antes mesmo de participar do ‘The Voice’, pensei em convidar o Pedro Luís e o Chico César”, rememora.

Encontro. A entrevistada confessa que ficou receosa, mas venceu a hesitação com a seguinte constatação: “O não eu já tenho”. Porém, a negativa nunca veio. Pedro e Chico César disseram “sim” e compareceram, ao lado de Jade, no palco. “Eles me abraçaram de uma forma que eu não imaginava. Apesar de sermos de gerações diferentes, rolou uma identificação muito grande”, garante. Por conta disso, a cantora não pensou duas vezes quando Pedro Luís propôs a ela um dueto em “Faz um Carnaval Comigo”, que também gerou videoclipe. “Faz um Carnaval comigo/ Desfilando em meu umbigo/ Evolui em minha nuca/ Ela louca, eu maluca”, sugerem os versos da canção. “Me identifiquei demais com essa característica visceral da letra, esse frescor do Carnaval”, destaca ela, que revela ter composto uma inédita com Pedro Luís que está “para sair do forno”. “Não posso falar mais”, disfarça.

“Para que eu decida cantar uma música, eu preciso me sentir representada de alguma maneira, seja na letra ou na melodia, que normalmente é mais difícil de compreender, porque ela é impalpável. Quando somos crianças, a gente escuta uma melodia e se sente fascinado, sem entender o porquê. Depois você descobre a letra e vê que tudo faz mais sentido ainda, mas foi a melodia que nos prendeu inicialmente”, reflete. Assim como milhões de brasileiros, Jade tem passado seus dias em casa, por conta da pandemia do novo coronavírus, responsável pela morte de quase 30 mil cidadãos no país. Em postagens no Twitter, ela admitiu que tem lidado com crises de ansiedade. “É um momento complicado para todo mundo, principalmente para os artistas novos e independentes. Já era difícil, agora vai ser muito mais, mas seguiremos bravamente na luta, eu não vou desistir”, promete.

Esperança. Com um ministro interino na pasta da Saúde há duas semanas, após as demissões de Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, o Brasil possui números alarmantes de contágio e óbitos pela Covid-19, sem perspectiva de melhora e com a possibilidade de se transformar no próximo epicentro da doença no mundo. “Ninguém nunca passou por isso antes, estamos em um laboratório e não sabemos como será o amanhã. Nesse momento, o mais importante, para todos nós, é ficar perto de quem a gente ama e ser quem a gente realmente é. Tentar se manter leve, com harmonia e olhar para dentro para alcançar algum aprendizado”, finaliza Jade.

Fotos: Artur Medina/Divulgação.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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