Ivan Lins: ‘A gente precisa superar esse delírio pra trazer o Brasil de volta’

*por Raphael Vidigal

“O homem tem, pra a redenção,
Dois campos de chão fundo e rico,
Que tem de limpar com afinco,
Com o ferro e com a razão;” Charles Baudelaire

Foi durante uma viagem de trem entre Rio e São Paulo, em 1960, que Tom Jobim e Vinicius de Moraes compuseram a música “O Amor em Paz”, destinada a um programa de televisão comandado por Agostinho dos Santos e regravada pela cantora Marisa Gata Mansa. Mas foi a gravação de João Gilberto, em 1961, que a consagrou definitivamente. Cerca de trinta anos depois, a canção estabeleceu uma nova ponte entre Rio e São Paulo, ao unir o paulistano Toquinho ao carioquíssimo Ivan Lins no mesmo palco.

“Fui assistir ao show do Toquinho e ele ficou sabendo que eu estava lá, aí me chamou para subir ao palco, a gente não tinha combinado nada”, relembra Ivan, que admite ter sido pego de surpresa. Os dois se apresentavam em um festival em Maceió, e Ivan chegou com um dia de antecedência, o que o permitiu contemplar o colega. Já no palco, ele sugeriu, justamente, “O Amor em Paz”. “‘Eu amei/ E amei/ Ai de mim, muito mais/ Do que devia amar’”, cantarola. “Ficou lindo, eu só entrei com a voz e o Toquinho com aquele violão que ele toca maravilhosamente bem”, enaltece. Era o final dos anos 1990. Um tempo depois, Ivan recebeu um telefonema. A proposta: sair em turnê com Toquinho.

Sucessos. A dupla ficou quatro anos viajando o Brasil todo, e quase foi para Portugal e Itália. “Mas aí chegou a pandemia e acabou com a brincadeira”, lamenta Ivan. Em algumas apresentações, eles tiveram a companhia do MPB-4. “Éramos três entidades artísticas”, afirma Ivan, sem falsa modéstia. É com esse espetáculo que ele e Toquinho têm, novamente, rodado o país de Norte a Sul, a bordo de um verdadeiro rol de sucessos. Da parte de Ivan, “Vitoriosa”, “Madalena”, “Abre Alas”, “Começar de Novo” e “Bilhete” estão garantidas no repertório. “Adoro cantar as músicas que o público consagrou”, confirma Ivan.

“E eles também vão até lá para ouvir as músicas que conhecem, porque também querem cantar. É bom cantar, faz bem à saúde, ainda mais nesses tempos bicudos, com essas guerras, inflação, pandemia, esse governo. A música é uma salvação, cura, dá prazer. Sem música não existiria mundo”, sustenta. Nessa história toda, outro nome fundamental é o de Vítor Martins, o mais longevo e principal parceiro de Ivan Lins. Foi ele quem apresentou Toquinho a Ivan, durante uma noitada paulistana.

Política. Vítor está presente na letra de canções como “Desesperar Jamais”, “Cartomante”, “Novo Tempo”, “Somos Todos Iguais Esta Noite” e “Bandeira do Divino”, que Ivan considera dialogarem diretamente com o atual cenário político e cultural do Brasil, a que ele acrescenta “Deixa Eu Dizer”, parceria com Ronaldo Monteiro que estourou na voz da cantora Claudya na década de 1970. “Todas essas músicas foram feitas para outro momento também horrível que nós passamos, que foi a ditadura, mas continuam valendo até hoje”, aponta. Algumas delas também vão estar no espetáculo. “Eu não deixo passar, sempre tem alguma que eu vou bater, a gente manda ver”, diverte-se o pianista.

Segundo Ivan Lins, “o Brasil está sendo governado por pessoas completamente não preparadas para o governo”. “A gente precisa superar essa fase e trazer o verdadeiro Brasil de volta. Eu acho que, passando esse delírio, não só a música, mas todos os segmentos de atividade humana no Brasil vão voltar ao estado normal e o Brasil pode continuar sendo adorado no mundo inteiro, como nós sempre fomos”, conclama. Dentro desse imenso Brasil, ele demonstra um carinho especial pelas Minas Gerais. “Minha relação com Minas é profunda. A música une as pessoas e foi realmente a música que me aproximou de Minas, dos músicos e compositores mineiros”.

Transformação. Ivan não tem dúvidas em apontar a música mineira como “a grande transformadora”, ao citar nominalmente o Clube da Esquina de Milton Nascimento, Fernando Brant, Lô Borges, Toninho Horta, Beto Guedes e tantos outros. Em comum, tanto o movimento quanto Ivan dividiram a primazia de terem músicas lançadas por Elis Regina, a maior cantora da música brasileira. “É uma música muito poderosa, os compositores mineiros são bastante talentosos e inovadores harmonicamente, eles possuem uma linguagem muito própria”, sublinha, sem se esquecer da música folclórica e seus catopés, congos e congadas.

“Todas essas manifestações folclóricas que têm pelo interior de Minas são fabulosas. Eu utilizo muito esses ritmos mineiros nas minhas músicas. Viva a música mineira! Porque essa realmente mora profundamente no meu coração”, exalta. Na agenda, Ivan pretende continuar realizando shows. No fim de março, ele tem uma viagem marcada para a Europa, com previsão de voltar ao Brasil só em agosto. Nesse ínterim, passa pelos Estados Unidos, em Los Angeles, para gravar um novo disco. De volta ao país natal, a ideia é colocar em prática uma “turnê intensa”, como ele destaca. “Vamos cantar muito! O tempo e a quantidade necessária que a pandemia não nos permitiu”, promete.

Foto: Carlos Ramos/Divulgação

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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