Estória de Vanessa

“A sensualidade, que nasce conosco e se manifesta ainda cega,” Raymond Radiguet

flavio-de-carvalho

Capivara, paca, jaguatirica, pássaro, mico na beira da estrada colhe fruta, onça no meio do caminho avista a vítima turca. Mil animais à cabeça para decifrá-la. A secretária tira o fôlego, coloca em risco a saúde. Nos contornos duma embarcação, duma duna: naufraga. Quer se afogar nas coxas da mulher robusta, pernas bem torneadas: quanto custa? Vanessa não protege o decote de indiscretos olhos. Lógico: eles procuram. Feitos um para o outro. Como espiga de milho cozido e manteiga: faca de suicida e veia: decote e olhos: o perigoso joio de unir o útil ao agradável trigo. No relance das ambulâncias o impulso as sirenes dispara: jogá-la debruçada sobre a mesa, espalhar papéis, niná-la com uma bela canção de Camões, ora se vejam, pensam abobrinhas, dispensa.

Volta ao território do qual havia sido expulso dias antes, por conta da indiscrição jornalística: essa buzina de arguir posições aos que se deitam sem Kama Sutra ante os cotovelos, ou dos que se derramam em bares negros e ignoram a presença de Lupicínio Rodrigues ao chorar de vingança pela azeitona no espeto onde jaz Martini. O pescoço de Vanessa para vampiro nenhum botar defeito. Nele se invoca a aura de um anjo despido de moral, vergonha ou culpa. Nele se reivindica: o direito de ser colar de pérolas, bijuterias, pedras chinfrins. Nele se propicia o ataque de vândalos sanguinários que ainda assim seriam perdoados por todos os júris, tribunais, advogados. Tamanha a devastação, o impacto no amante, o voyeur é puro.

São óculos vermelho-escarlate na ponta do nariz. Vanessa de seios à mostra, nariz de Cleópatra, óculos na ponta, colar no pescoço, cabelos louros: saúdam gauleses e romanos. O dedo na boca é uma vermelha lâmpada: é o teu batom: vermelho-escarlate: é o teu veneno: vermelho-escarlate: o dedo afunda: vermelho-escarlate: entra na boca: vermelho-escarlate: a língua roça: vermelho-escarlate: os dedos molham: vermelho-escarlate: é o meu desejo: vermelho-escarlate: Vanessa: põe: sobre: a: mesa: o: sutiã: branco: mal: combina: com: a: cerimônia. Se caridade fosse fenecimento daria a Vanessa versos pobres, malha de qualidade: enrolava o teu corpo bronze em contraste aos cabelos claros: repentinamente desarrumados: vítimas de trejeitos anti-samaritanos. Sandália preta aperta os dedinhos pintados com lilás esmalte. O que é a harpa diante da solidão dos anjos? O que quero agora: solidão dos anjos: seios fartos: pernas bem torneadas: os óculos molhados da mulher vilipendiosa: a lâmina.

A mim a morte não deve ter validade alguma. É preciso morrer em vão para que a vida se cale em paz. É preciso morrer em vão. É preciso que o vão de Ágata venha a este encontro. Uma janela culpa: nela moram os amores desfeitos ao sabor da rosnada do cachorro bravo. A outra é lousa: quadro intacto a esperar o gérmen: o langor: o pecado: a serpente: a maçã. Vanessa estica o corpo como um felino espreguiçando-se logo oferece a bochecha a lábios extremos e tremulantes como as ruínas gregas. O modelo equilátero de beleza da Grécia: Vanessa. Já se desapossou da cadeira que guarda apenas a marca de seu glúteo imenso. Este ainda não havia notado até que ela se levantasse. Rebola igual rocambole. Bem lhe pregaria uma mordida nas nádegas. Indecente e casta, Vanessa.

flavio-de-carvalho-obra

Raphael Vidigal

Imagens: pintura e desenhos de Flávio de Carvalho, respectivamente.

Compartilhe

Facebook
Twitter
WhatsApp
LinkedIn
Email

Comentários pelo Facebook

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Recebas as notícias da Esquina Musical direto no e-mail.

Preencha seu e-mail:

Publicidade

Quem sou eu


Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

Categorias

Já Curtiu ?

Siga no Instagram

Amor de morte entre duas vidas

Publicidade

[xyz-ips snippet="facecometarios"]