“Mirangéli e Kalbinôni têm pendor invulgar para a cascata.
Troféu de Gatos-Gatunos – em trombadinhas, medalha de prata.
Vivem nas ruas do bairro. De ocupação irregular, dispersa.
São gente afável que adora passar no guarda amigo uma conversa.” T. S. Eliot
Plano de Carreira
Na lógica monetária deste gatuno, a motivação primordial era construir um plano de carreira para enriquecer. Donde se conclui que para um médico o princípio do “cuidar do outro” estava eliminado, assim como para o advogado a “ajuda ao próximo e o senso de justiça”, tal qual para o engenheiro a determinação em “melhorar a vida dos seres e da cidade”. As outras profissões, numa perspectiva clássica, jamais seriam citadas, mas por mais descabido que possa parecer, algumas se intrometeram na lógica monetária. Donde se constatou a presença de gatunos no mundo das celebridades, também interessados no plano de carreira para enriquecer, e até, pasmem, em ofícios que seriam irrelevantes do ponto de vista monetário. Mas acreditem o plano de carreira para enriquecer chegou a estes patamares, pondo a utopia e o idealismo no chinelo. São todos independentes, trabalham para si mesmos.
Cultura do Acúmulo
O segundo gatuno está inserido na Cultura do Acúmulo, que fica melhor em letras maiúsculas, muito pomposa e cheia de si. A Cultura do Acúmulo é uma invenção do capitalismo. Nela, a capacidade de formular pensamentos, que por tal característica podem ser classificados como “pensamentos próprios”, é dispensável. Quantifica-se o conhecimento, mas não é exercida reflexão sobre eles. O gatuno tem a habilidade de apresentar dados, estatísticas, um sem número de curiosidades, citações, os quais repete como um papagaio sem mesmo perceber a tua condição de gatuno. É exigido deste gatuno, nas provas vestibulares, que ele repita e apresente tudo o que já se sabe, o que os livros ensinaram, o conhecimento que o homem acumulou através dos anos. Não importa a sua opinião, não importam os paralelos ou panoramas que ele possa traçar, mas sim a verdade dos fatos, o acúmulo de informações. A cabeça deste gatuno é como uma caixa d’água.
Esmola
Tanto no Plano de Carreira quanto na Cultura do Acúmulo a principal personagem é a moeda, símbolo do dinheiro. Esse dinheiro deve trazer aos gatunos uma vida cheia de benesses, cheia de pratos, leites e alguns ratinhos para palitar os dentes. Essa moeda representa o objetivo maior da existência do gatuno, conquistá-la significa realizar os desejos, e o tal oásis da felicidade estar repleto. Essa moeda não é uma miragem, não é um delírio, é algo concreto, objetivo, a que se deve perseguir como um gatuno caça suas vítimas. No entanto, o terceiro gatuno tem uma questão, algo que nunca se discutiu, jamais foi pauta nos jornais, nem em portais da internet onde pulula de tudo um pouco – baluarte maior da Cultura do Acúmulo – nunca essa sua dúvida foi sanada. E aqueles que pedem pela moeda nos sinais de trânsito? Qual será a reverberação econômica da esmola na sociedade? Na sociedade do Plano para Enriquecer? Da Cultura do Acúmulo? A dúvida do terceiro gatuno representa o drama dos outros dois.
Raphael Vidigal
Pinturas: “A Queda”; e “A Clarividência”, de René Magritte, respectivamente.