“vagabundeando sem destino até alta madrugada, procurando, entre as luzes e sombras turbulentas da populosa cidade, aquele infinito de excitação mental que somente a observação tranquila pode conceder.” Edgar Allan Poe
Canadense nascida em território norte-americano, Jane Jacobs não teve formação acadêmica em nenhuma área do conhecimento, embora, na data de seu centenário de nascimento, já seja considerada ativista política e urbanista, e tenha escrito livro fundamental sobre o assunto. Ungida por contradições, Jane Jacobs desmistificou respostas prontas e certezas absolutas, no que sua condição de mulher contribuiu ainda mais nessa importante luta, se levarmos em conta que, como em quase todos os segmentos, o universo no qual se intrometeu à época era, também, dominado por homens e sua lógica própria.
“Morte e Vida de Grandes Cidades”, que nos remete imediatamente ao clássico poema de João Cabral de Melo Neto sobre o sertão pernambucano, afrouxa as barreiras dessa discussão intrincada e coloca no centro da questão o ser preponderante: afinal de contas, são as pessoas que preenchem as cidades, e não o contrário. Partindo desse pressuposto, em via oposta à do renomado arquiteto suíço Le Corbusier, ela compreende as noções de ocupação do espaço público sob outra ótica. Jane Jacobs compara o movimento frenético das ruas a um balé, e enxerga nessa multidão problemática a própria solução para garantir, por exemplo, segurança, que não estaria na solidão e no aspecto cada vez mais reservado e cercado das grandes cidades.
Não é de todo ilógico imaginar que a ausência duma educação formal que tende à massificação e impõe um ponto de vista dominante tenha influenciado Jane a “olhar o mundo com a coragem do cego” e “entender as palavras com a atenção do surdo”, como disse Cazuza; desabonando paradigmas de outrora.
Raphael Vidigal
Fotos: Dick Loek; e Adrian Wyld, respectivamente.