Análise: 70 anos de Rogério Sganzerla, o mais marginal dos cineastas

“Ser marginal foi uma decisão poética. Os marginais estão mais perto de Deus. Toda ovelha desgarrada ama mais, odeia mais, sente tudo mais intensamente.” Cazuza

Se a estética do precário criava laços entre os criadores do “Cinema Novo” e os entusiastas do “Cinema Marginal” havia uma questão mais fundamental a separá-los: a do conteúdo. Rogério Sganzerla foi, sem dúvida, o mais inventivo e radical entre seus pares, que levou mais a fundo as considerações do modo de filmagem, em experimentalismo conceitual que, provavelmente, só encontra parâmetro na obra de Jean-Luc Godard. Não por acaso foi o mais difamado por Glauber Rocha no exterior, responsável por espalhar que Sganzerla era agente da CIA. Se o “Cinema de Autor”, ecos da francesa Nouvelle Vague era ponto em comum entre ambos, também se impunham ali egos e vaidades.

Irreverente, cômico, formalista, o “Cinema Marginal” não excluía a conotação política de suas películas, mas a subjugava à arte, ao contrário do “Cinema Novo”, a quem as condições sociais do país deveriam se utilizar da ferramenta cinematográfica como um suporte, algo que o supracitado Godard viria a defender nos idos 1960, em seu período maoísta, quando, inclusive, filmou Glauber Rocha recitando uma música de Caetano Veloso no ultra-politizado e comunista “Vento do Leste”. Sganzerla, que tinha asco de ficar datado, optou por uma abordagem que reverenciava marcas tornando-as difusas, casos das aparições de Zé Bonitinho, Luiz Gonzaga e Zé do Caixão, entre outros, em seus filmes, e literalmente rompia com toda e qualquer estruturação narrativa.

O que pretendia? Provavelmente escapar do tempo, dos limites determinados pela sociedade de consumo, das camadas que se interpunham entre as classes. Seu cinema, feito de filmes icônicos como “O Bandido da Luz Vermelha”, “Sem Essa Aranha”, “Copacabana Mon Amour”, e outros ainda menos vistos do que o costume, mas de igual qualidade, como “Abismu” e “A Mulher de Todos”, apresenta sempre um misto, sempre uma ruptura, embora, contraditoriamente, mas não por acaso, possua um nó górdio que, para além da presença maciça de Helena Ignez e do tom debochado prevalece pelo questionamento. Fica difícil determinar o cinema após a marginalidade de Sganzerla. Para quem prefere perguntas às respostas, é certamente um trunfo.

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Raphael Vidigal

Fotos: João Cerqueira; e Divulgação, respectivamente.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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