Artes Plásticas: Oscar Niemeyer

“Os homens constroem também de acordo com as leis da beleza.” Karl Marx

Oscar Niemeyer

O homem qualquer caminha entre dois muros. Num deles, a poça d’água convida ao mergulho. Porém é ateu. No outro, o cimento une-se ao tijolo dando-lhe o aspecto de barro. Então crê em Deus, vê a costela de Adão a transmutar Eva. Enxerga. O milagre nas reluzentes vestes (desaba o concreto), engenhosas.

Mas os muros a que se ergueram põe na cabeça do homem uma dúvida. Por sobre eles diversos outros, engalfinhando-se, disputam, desarmônicos. Falta-lhes música, notas, acordes. Escuta a Sinfonia de Mozart. Talvez a Fuga de Bach. Urros do comunismo em Marx agarram-lhe a partir das entranhas e estouram os tímpanos.

Solitário em convicções arraigadas, o homem qualquer pretende ao unânime, magnânimo, totalitário das curvas. Instaura uma ditadura. Premente do desafogo, do remelexo, do espaço. Suspiram as algas, suntuosas e largas, aparecendo dos mares como se Zeus lançasse raios. E não há lógica capaz de detê-las. A Beleza é irreversível.

Pois suspendem-se no universo curvo de Einstein, nas pernas fartas das brasileiras e indígenas de colares. Algo nativo, peregrino, mundano, transcendente, notável. Igrejas perdem o formato  de antes, palácios reverberam modernidade, o chão abre-se, e um menino miserável, mirrado, faminto, pede uma pequena parte daquele clarão magnífico.

O homem qualquer, mesmo tossindo, cansado, doente, exausto, sopra uma fumaça. Em seguida, aconselha a anônimo próximo o cumprimento de antiga norma. Este traze-lhe um regador, despejando no ar fértil chuva. Ao que avança na direção da criança pedinte, uma irregular nuvem, ora curva, outrora lilás, combinando trajetos e cores, trejeitos e nomes.

O menino, de olhos apagados, não sente nada, dispensa a nuvem, dizendo: “Tenho fome”. O homem velho, qualquer, abonado, responde: “Eu também tenho. E me alimento, de gastos sonhos”. Não enchem barriga, ofende a prole, que vai aumentando, apenas cresce, engole o homem. Chama-se tempo. E o qualquer, é Niemeyer. Nem arquiteto, como disseram. Mesmo escultor, arrisca o gênio.

Somente um homem. Entre dois muros. Empena hastes, pilares, traços.

Croqui Palácio da Alvorada

Raphael Vidigal

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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