Análise: 70 anos de Leila Diniz, mulher sem cortes

*por Raphael Vidigal

“Brigam Espanha e Holanda
Pelos direitos do mar
O mar é das gaivotas
Que nele sabem voar
O mar é das gaivotas
E de quem sabe navegar.

Brigam Espanha e Holanda
Pelos direitos do mar
Brigam Espanha e Holanda
Porque não sabem que o mar
É de quem o sabe amar.” Leila Diniz

Carlos Drummond de Andrade a homenageou em poesia. Martinho da Vila, Erasmo Carlos, Rita Lee, Elton Medeiros, Paulo César Pinheiro, Carlinhos Vergueiro e Taiguara o fizeram em canções. Milton Nascimento se valeu de um delicado poema de Leila para criar a música “Um cafuné na cabeça, malandro, eu quero até de macaco”, título oriundo de frase da protagonista, que ajuda a entender um pouco de sua personalidade. Não bastasse isso, a histórica entrevista para “O Pasquim”, recheada de palavrões censurados e em que pregava, principalmente, o “amor livre” e a “liberdade sexual da mulher”, gerou uma enérgica reação do regime militar em vigência, e a censura prévia à imprensa ganhou, à boca pequena, o nome popular de “Decreto Leila Diniz”.

Tudo isto, no entanto, ainda não é suficiente para entender a relevância de Leila Diniz na sociedade brasileira. Não é por acaso que poucos a reconhecem como atriz. Leila foi muito mais do que isso. Vedete, professora, estrela do longa-metragem “Todas as Mulheres do Mundo”, outra declaração de amor de seu ex-marido Domingos Oliveira, em sua estreia cinematográfica; a carioca entrou para a história ao adotar uma postura livre sem panfletagem, muito mais próxima ao universo hippie, acusado pela esquerda socialista de alienado, do que dos movimentos feministas. Para Leila as únicas bandeiras eram “as do Salgueiro e do Flamengo”, discurso que evidencia essa liberdade mais vivida do que proclamada, menos em tese e mais nos atos. Uma liberdade agregadora, da qual o desejo, a libido e o prazer; e o amor, eram parte.

A morte trágica e precoce, aos 27 anos de idade, num acidente de avião quando voltava da Índia para o Brasil, após divulgar um filme na Austrália, representou para o país a perda de um jeito atrevido e irresponsável de se posicionar. Perdia-se a beleza, a poesia de uma jovem que enfrentava as repressões sociais sem empunhar armas de fogo ou discursos inflamados. A imagem de Leila grávida, na praia, de biquíni e chapéu na cabeça cristaliza essa possibilidade da mulher; feminina, rebelde, alegre, ousada, mãe, “porra-louca”, enfim, o que ela quiser; numa só personagem. Tudo isso, ainda assim, não é suficiente para explicar Leila Diniz. Para isto, é necessário assisti-la, e compreender que ela foi, sobretudo, e antes de mais nada, uma mulher, com todas as vogais e consoantes, sem asteriscos nem cortes.

Leila Diniz, 1971David Drew ZinggRealidade 61

Imagens: Divulgação; e foto por David Drew Zingg, respectivamente.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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