10 músicas brasileiras para os pais

“Ah, o pai! O pai vaquejava e vaquejava.
Ele tinha um olhar soberbo de ave.
E nos ensinava a liberdade.” Manoel de Barros

Caetano, Mautner, Rita Lee, Gil e Luiz Gonzagão compuseram músicas sobre pais

Com a proximidade da celebração do “Dia dos Pais”, vêm à memória canções que de uma forma ou de outra citam a figura paterna, tão fundamental na vida e na criação de várias crianças que hoje se tornaram adultas e que, talvez, passem a assumir esse papel daqui por diante. A canção brasileira é pródiga não só em ritmo, gênero, como também em temas, e por isso concede aos pais os mais variados tipos de interpretações e abordagens. Seja através da pena sangrenta de Lupicínio Rodrigues, o deboche presente nas marchinhas cantadas por Blecaute ou na dolente homenagem de Caetano Veloso a texto de Guimarães Rosa, o pai assume sua nobre vocação musical: de emocionar…

Respeita Januário (forró, 1950) – Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira
Coroado “Rei do Baião” Luiz Gonzaga compôs ao lado do parceiro habitual Humberto Teixeira uma das mais representativas canções acerca do relacionamento familiar entre pai e filho, especialmente na região nordeste, levando em conta, como de costume, uma experiência pessoal. Expulso de casa pelo pai quando mais novo, Gonzagão atesta a reverência adquirida através dos anos à figura paterna, o respeito transformado em afeto, sublinhado em versos de advertência de um compadre da terra ao pretensioso e rebelde garoto, adjetivos comuns à juventude: “Luiz, respeita Januário, tu pode ser famoso, mas teu pai é mais tinhoso e com ele ninguém vai, Luiz! Respeita os oito baixo do teu pai!”. Foi regravada por Alceu Valença e Lenine.

Cadeira Vazia (samba-canção, 1950) – Lupicínio Rodrigues e Alcides Gonçalves
Denominado inventor da música conhecida popularmente como “dor de cotovelo”, e samba-canção para outros tantos, o gaúcho Lupicínio Rodrigues produziu obras rascantes e magoadas. “Cadeira Vazia”, parceria com Alcides Gonçalves lançada em 1950 não é diferente. Nela, o referencial paterno aparece como símbolo da discórdia e do rancor. É desta maneira que o protagonista da canção permite a volta da mulher amada ao lar: “E faz de conta que sou teu paizinho, que tanto tempo aqui ficou sozinho, a esperar por um carinho teu. Voltaste, está bem, estou contente, mas me encontraste muito diferente, vou te falar de todo o coração. Não te darei carinho nem afeto, mas pra te abrigar podes ocupar meu teto, pra te alimentar podes comer meu pão”.

Papai Adão (marchinha de carnaval, 1951) – Armando Cavalcanti e Klécius Caldas
Blecaute colecionou muitos admiradores que adoravam seu jeito afável e de bem com a vida, esbanjando largo sorriso. Além disso, era conhecido também pela elegância, tanto dos passos como das vestimentas. A cronista Eneida dizia: “Olha que elegância de porte e que charme de sorriso.” Mas o traço mais marcante de Blecaute sem dúvida nenhuma era a espontânea simpatia, contida em sua maneira sinuosa de cantar ditados tão populares: “Papai Adão, Papai Adão já foi o tal, hoje é Eva quem manobra, e a culpada foi a cobra”. A divertida brincadeira sobre as relações conjugais é mais um exemplo da bem sucedida comunhão entre Blecaute e a dupla de compositores formada por Klécius Caldas & Armando Cavalcanti. A música alude ao primeiro pai da história.

Vingança (samba-canção, 1951) – Lupicínio Rodrigues
“Vingança”, outro samba-canção magoado de Lupicínio Rodrigues foi lançado originalmente por Linda Batista, garantindo o seu maior sucesso de toda a carreira, mas foi também regravada com êxito pelo próprio autor, além de Elza Soares, Jamelão, Arrigo Barnabé, Joanna e muitos outros artistas. Tradicionalista, Lupicínio queixa-se de mais uma desilusão amorosa, desta vez acusando a mulher de traí-lo “com um companheiro”, para no momento seguinte fazer referência à importância do pai na sua vida, considerando seus ensinamentos como dos mais importantes, em especial um valor. “Me fazer passar esta vergonha com um companheiro, e a vergonha é a herança maior que meu pai me deixou”. Versos que se eternizaram no imaginário popular.

Pai Grande (clube da esquina, 1969) – Milton Nascimento
Ode incontestável à simbologia da paternidade, “Pai Grande”, composta por Milton Nascimento em 1969 carrega muitas das influências do seu “Clube da Esquina”. Além do canto lírico, melódico, a canção perpassa texturas barrocas e rurais, não distendendo a conotação da palavra à questão da origem. De certo tom místico, se no início parece referenciar-se ao avô, por fim este grande pai talvez esteja mais próximo da força criadora da natureza. “Meu pai grande, inda me lembro, e que saudade de você, dizendo: eu já criei seu pai. Hoje vou criar você”. A música foi regravada por Alaíde Costa, no ano de 1976, e interpretada por Milton Nascimento ao lado do parceiro Wagner Tiso em espetáculo realizado na Suíça em 1981. Provas que sua força inda permanece.

Pai e Mãe (MPB, 1975) – Gilberto Gil
Em 1975, no célebre disco “Refazenda”, Gilberto Gil aludiu a uma prática comum do seu período de infância para combater um preconceito latente na sociedade. “Pai e Mãe” retrata a diferença de relações dos filhos com o pai e com a mãe, tendo esta o privilégio e a licença do carinho e do afeto, enquanto ao outro, representante da virilidade, restava o medo travestido de “respeito”. Ao declarar a própria aproximação afetuosa com o pai, Gil também dá um largo passo a favor do amor livre, sem discriminação de gênero. Por essa conotação homossexual, a música recebeu uma interpretação ainda mais expressiva na voz do libertário e provocador Ney Matogrosso, no ano de 2006. “Eu passei muito tempo/Aprendendo a beijar outros homens/Como beijo o meu pai…”.

Cálice (MPB, 1978) – Chico Buarque e Gilberto Gil
O tema religioso perpassa toda a estrutura da música “Cálice”. Composta numa “Sexta-Feira da Paixão”, a lembrança do martírio de Cristo inspirou Gilberto Gil a identificá-lo com a situação vivida pelos brasileiros no auge da ditadura militar no país. A melodia, também de memória sacra, acompanha os versos que falam da “bebida amarga”, a “força bruta”, o “monstro da lagoa” e “o grito desumano”, entre outros. Todas essas imagens fortes seriam ainda coroadas com o refrão que mistura o sentido das palavras “cálice” e “cale-se” através do som. A figura imponente de “um pai que destrói as individualidades” fez com que Gilberto Gil jamais regravasse a canção após a tentativa, censurada pelo regime, de apresentá-la em show ao lado de Chico Buarque, no ano de 1978.

Papai me empresta o carro (rock, 1979) – Rita Lee e Roberto de Carvalho
Irônica e naturalmente debochada Rita Lee compôs um de seus grandes sucessos no auge de sua carreira solo, ao lado do inseparável companheiro Roberto de Carvalho. “Papai me empresta o carro”, música lançada em álbum que ainda revelou ao mundo sucessos do calibre de “Doce Vampiro”, “Mania de Você” e “Elvira Pagã”, acerta na pegada descontraída e liberal de Rita para abordar assuntos considerados tabu por certa fatia da sociedade, especialmente os relacionados à sexualidade. De maneira direta o filho faz um apelo ao pai para que lhe empreste o veículo, pois é só dessa maneira que ela terá a oportunidade de namorar sua garota. A música foi regravada por Rita em companhia dos integrantes da trupe dos “Titãs”, em versão acústica de 1998.

A Terceira Margem do Rio (tropicália, 1991) – Caetano Veloso e Milton Nascimento
Caetano Veloso e Milton Nascimento se inspiraram em conto de Guimarães Rosa para compor a canção “A Terceira Margem do Rio”, do qual também extraíram o título. Com verve tropicalista e lançada no inventivo álbum “Circuladô”, a música mantém princípios de inovação estética em sua melodia e no difuso caráter harmônico. A letra embalsamada de poesia da canção procura acompanhar os movimentos rítmicos, baseados, justamente, no tal movimento do rio. No conto em questão, um pai de família abandona os seus para permanecer no meio do rio, no que seria a sua “terceira margem”, não indo e nem voltando, mas permanecendo. E como Caetano reafirma o pai “não diz”, é “puro silêncio”, referência que deve servir também à imagem de Deus.

Os Pais (reggae, 2006) – Jorge Mautner e Gilberto Gil
Canção lançada através da fértil parceria entre Jorge Mautner e Gilberto Gil, oriunda do período tropicalista de ambos, no ano de 2006, “Os Pais” faz alusão justamente a uma temática ultramoderna, ao explicitar as contrariedades e contradições inerentes aos pais da nova geração, que não encontram o meio-termo entre as liberdades e os temores presentes nos tempos modernos. A música foi gravada tanto por Gil quanto por Mautner, e na versão do baiano teve reforçada a melodia ao ritmo de reggae. Já Mautner preferiu abordagem mais langorosa, interpretando-a com indolência. “Os pais, os pais, estão preocupados demais, com medo que seus filhos caiam nas mãos dos narco-marginais, ou então na mão dos molestadores sexuais, e no entanto ao mesmo tempo são a favor das liberdades atuais! (…) mantém-se a moral por um fio, um fio dental…”.

Espirituoso cartum de Laerte sobre Deus e a paternidade

Raphael Vidigal

Imagens: montagem com fotos de Caetano Veloso, Jorge Mautner, Rita Lee, Gilberto Gil e Luiz Gonzaga, respectivamente, da esquerda para a direita; e cartum de Laerte.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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