Luiz Gonzaga se eternizou como Rei do Baião e lançou clássicos

*por Raphael Vidigal

“E o sol, puro e cruel, espalhado por cima de tudo.” Clarice Lispector

Quando aquele menino de cabeça achatada e ombros caídos fugiu de casa, no interior de Pernambuco, para servir ao Exército, ninguém imaginava que o que ele faria seria uma verdadeira revolução na música brasileira.
Talvez nem mesmo ele.

Mas aqueles ombros caídos haviam sido feitos na medida exata para se abrigar uma sanfona, e aquela cabeça achatada tinha sido especialmente escolhida para se usar sobre ela um chapéu de vaqueiro.
Mas não um chapéu de vaqueiro qualquer.
Era o chapéu de vaqueiro do Rei do Baião.

Em Luiz Gonzaga, aquele chapéu seria uma coroa, aquelas roupas típicas e nordestinas eram os trajes de um rei e aquela sanfona empunhada com rara habilidade era um cetro enfeitado a ouro e pérolas, que por vezes transformava-se em cajado, tal era a beleza e força com que a tocava.
Tal era a beleza e a força com que a oferecia a seu povo, para animar suas festas juninas, seus xotes, seus santos, seu São João.

“Ai São João, São João do Carneirinho
Você é tão bonzinho
Fale com São José,
Fale lá com São José
Peça Prele me ajudar
Peça pra meu mio dá
20 espiga em cada pé”

Após ingressar no Exército, Luiz Gonzaga conheceu o sanfoneiro mineiro Dominguinhos Ambrósio, que lhe ensinou as músicas que faziam sucesso no Sul. No entanto, foi quando Gonzaga deu baixa no batalhão que iniciou sua revolução. Depois de experiências frustradas tocando em bares cariocas, o Rei do Baião conheceu o cearense Humberto Teixeira, e inventou com este o ritmo que lhe daria a realeza.

O ano era 1945, e Luiz Gonzaga tornava-se pai duas vezes. Assumia a paternidade do baião ao lado de Humberto Teixeira e a de Luiz Gonzaga Júnior, o Gonzaguinha, ao lado da dançarina e cantora Odaléia. Depois daquele momento, a música brasileira nunca mais seria a mesma. Pois ganhava ao mesmo tempo um novo ritmo e um novo músico que só trariam orgulho ao pai Gonzagão, levando sempre na bagagem sua terra, suas origens, a cultura do nordeste carregada nos ombros, na cabeça achatada, nas roupas típicas e naquele balanço novo e contagiante que inventara.

“Olha pro céu, meu amor
Vê como ele está lindo
Olha praquele balão multicor
Como no céu vai sumindo

Foi numa noite, igual a esta
Que tu me deste o teu coração
O céu estava, assim em festa

Pois era noite de São João”

A vida de viajante desse revolucionário rei teve 76 anos de andanças e sucessos. Durante sua caminhada, aquele que também ficou conhecido como o “Embaixador Sonoro do Sertão”, passeou com sua sanfona por quase todo o Brasil e por Paris, recebeu disco de ouro e Prêmio Shell, além de várias homenagens em livros e discos.

No entanto, quem mais distribuiu presentes e homenagens foi ele, sempre disposto a ajudar seu povo com seu coração caridoso e imenso. O que fez através da música e também de ações sociais, como a Fundação Vovô Januário, criada na década de 80 para ajudar as mulheres de Exu, sua terra natal. O Rei do Baião já enxergara desde cedo o poder de sua música que encantou e continua encantando.

Não há comemoração junina em que não se lembre o nome de Luiz Gonzaga. Nem um bom forró, um bom xaxado e um bom baião. Aquele olho dourado, mesmo machucado, continua avistando à distância a Asa Branca do pássaro que canta perto da Lua.

“Ai, que saudades que eu sinto
Das noites de São João
Das noites tão brasileiras nas fogueiras
Sob o luar do sertão”

Gonzagão

Lido na Rádio Itatiaia por Acir Antão dia 20/06/2010.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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