“Os vossos braços cruzados formam uma gigantesca corrente de aço (polida com sabonetes e aromatizada com perfumes importados) que tenta aprisionar meu pensamento. Os vossos olhos vidrados de múmias vivas formam um grande espelho mentiroso, que tenta retratar-me como um delinquente. Os versos musicados são o meio pelo qual eu vos devolvo a imagem.” Tom Zé
Quando David Byrne redescobriu Tom Zé numa loja de sebos pouca gente desconfiava que ali estavam presentes dois dos princípios básicos do “Tropicalismo”. Além da confluência entre nações a sofisticada obra do baiano encontrava-se no mais popular dos espaços. A tardia aclamação não impediu o compositor de canções tornadas clássicas como “Augusta, Angélica e Consolação”, “Menina, Amanhã de Manhã (O Sonho Voltou)” e “Tô” de revelar-se como o mais persistente proclamador dos princípios tropicalistas. Sempre, também, o mais tropical de todos eles, tanto na postura quanto nas vestimentas, reforçando o caráter performático das apresentações daquele que se diz “cantor que não sabe cantar, instrumentista que não sabe tocar e compositor que não sabe compor”, ao sublinhar a transformação das próprias misérias e precariedades em fonte de inspiração e motor criativo. De fato, o baiano nunca foi comum e muito menos “figurinha fácil” no contexto nacional.
Natural de Irará, no interior da Bahia, teve uma infância pobre, da onde extraiu, no entanto, muito da sabedoria popular proveniente da enraizada cultura nordestina. Com a concomitante formação erudita que obteve através da Escola de Música da Universidade da Bahia, Tom Zé teve a perspicácia de aliar mundos que soavam, ao “olhar acostumado”, díspares e opostos, o que resultou numa mistura única e característica, com o tempo tão identificada a ele, em que uma das principais qualidades é a da mudança e invenção constantes, que hoje já é possível identificar em si um estilo. Dono de dialética própria desenvolveu a capacidade de explicar, a partir do princípio da hermenêutica, expressões como a “rebimboca da parafuseta”, sem lhes atribuir valores distintos. Por manter o seminal espírito “Tropicalista” Tom Zé coloca-se ao lado da gama de artistas de que são exemplos nomes como Jards Macalé, Arrigo Barnabé, Zé Celso Martinez Corrêa, Glauber Rocha, dentre outros que não abriram concessões ao mercado. E é sempre uma glória sobreviver a ele.
Raphael Vidigal
Fotos: Arquivo e Divulgação.