“Um menino existe em nós, e isso nada tem a ver com idade. Um menino é aquele que fez o que eu fiz e continua fazendo. É aquele pedaço de vida que ama a bola, a lama e a brincadeira. Pratica o impossível e o perigoso, e nada sofre. É o altar em que adulto que se preze deve rezar diariamente.” Fernando Brant
Tão célebre quanto o “se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”, de Tolstoi, ficou o “amigo é coisa pra se guardar do lado esquerdo do peito”, “todo artista tem de ir aonde o povo está”, “sou do mundo, sou Minas Gerais”, e outras máximas propagadas por Fernando Brant, autor, em parcerias com Milton Nascimento, de músicas como “Travessia”, “Canção da América”, “Nos Bailes da Vida”, “Bola de meia, bola de gude”, “Aqui é o país do futebol”, e uma infinidade de outras que não perdem a qualidade pela quantidade.
Se o compositor tende a ficar à sombra de seu intérprete, Brant teve para iluminar suas palavras a voz e a melodia de Milton Nascimento e a entrega incomparável da maior cantora do Brasil, Elis Regina, além de inspirados encontros afetivos e musicais com Lô Borges e Geraldo Vianna. A associação entre música e sentimento, afeto e literatura, aliás, é uma constante em sua obra. A luta pelos direitos autorais e a atividade de cronista corroboram com a imagem do sujeito simples preocupado com seu tempo e os seus companheiros.
Leitor de Guimarães Rosa, fã de Fernando Pessoa e García Lorca, o letrista traçou caminho singular na música brasileira. Cursou direito, como o pai, provavelmente para garantir uma segurança financeira, mas teve sucesso como “amador” do jornalismo e das canções. Ele mesmo se recusara no primeiro momento a colocar letra em música de Milton, mas uma vez convencido, não parou mais. Aplaudido indiretamente, pacato e discreto como bom mineiro de Caldas, teve a tal música, “Travessia”, defendida no Festival Internacional da Canção de 1967 por Milton, e tirou o segundo lugar.
Para além dos concursos e das premiações, Brant teve suas músicas proclamadas Brasil afora por coros anônimos e conhecidos, ajudou a fundar o “Clube da Esquina”, e fundamentou, com letras simples e cotidianas, as elaboradas melodias e arranjos propostos por Milton Nascimento, Wagner Tiso, Toninho Horta, Beto Guedes, e colegas do lápis como os irmãos Márcio e Lô Borges. Fernando Brant preencheu a mistura de jazz, Beatles, bossa nova e música barroca com versos universais que falavam de Minas para o mundo. Ou de realidade tão ampla quanto a dor da perda e a esperança do amor.
“Mas é preciso ter manha, é preciso ter graça, é preciso ter sonho sempre, quem traz na pele essa marca possui a estranha mania de ter fé na vida” .
Raphael Vidigal
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