Entrevista: Edson Cordeiro + Toninho Horta

“Mas acima de tudo atiraste uma pedra
Turvando esta água
Esta água que um dia, por estranha ironia
Tua sede matou” Herivelto Martins

show Herivelto Martins

“Até para lavar a roupa suja, trazia beleza”, detém-se Edson Cordeiro, que entre uma pausa e outra, completa: “Dos momentos mais delicados da vida ele tirou poesia”. O retratado por essas palavras é Herivelto Martins, compositor homenageado na noite desta terça-feira, às 20h, no projeto Compositores.BR que acontece no Sesc Palladium.

Autor de inúmeros sucessos como “Ave Maria no Morro”, “Praça Onze”, “Cabelos brancos”, “A Bahia Te Espera”, “Bom Dia” e “Segredos”, todos presentes no roteiro da apresentação, o compositor, que viveu atribulado romance com a cantora Dalva de Oliveira na década de 50 – e esteve à frente do Trio de Ouro em várias formações diferentes – tem o centenário de nascimento celebrado este ano.

OBRA-PRIMA
“Só tem obra-prima, escolher foi fácil, difícil é deixar tantas de fora”, declara Edson, responsável pela parte cantada do espetáculo. Ele diz ter ouvido pela primeira vez as canções de Herivelto quando foi contrarregra no musical “A Estrela D’Alva”, onde Marília Pêra interpretava Dalva de Oliveira. “Descobri invadindo a intimidade do casal”, afirma, aos risos.

A abertura instrumental ficará a cargo de Toninho Horta e seu conjunto – formado por baixo, bateria, teclado e trombone. O guitarrista e violonista mineiro confessa ter escolhido as músicas “na intuição, pelos títulos”, em decorrência do pouco tempo para estudar a fundo a obra do compositor. “Acabei acertando, porque as canções são lindas, foi uma ótima oportunidade para revisitar esses êxitos, que já existiam antes do meu nascimento”.

Ao final, todos se apresentam juntos. Edson Cordeiro traz a tiracolo o pianista Miguel Briamonte, com quem mantém parceria desde os 17 anos. “O cantor sem o acompanhamento não é nada”, afiança, com a modéstia a esconder a capacidade de seu instrumento, finíssimas cordas vocais.

JUNTOS
Toninho Horta e Edson Cordeiro nunca subiram em um palco juntos, mas se postulam orgulhosos e admiradores do trabalho um do outro. “Para mim é uma honra”, define o cantor, que, morando na Alemanha há cinco anos, passou 15 sem vir a Belo Horizonte. “Fiquei muito emocionado com o convite. Este ano é a terceira vez que venho ao Brasil. Me apresentei no carnaval da Bahia com a Daniela Mercury e participei da gravação do DVD do André Rieu”.

Em relação ao homenageado, os dois dividem as louvas. “Ele traz caminhos harmônicos inusitados, como em ‘Ave Maria do Morro’, que o início parece ser o final da música”, explica Toninho Horta. Já Edson Cordeiro não entende o fato de o centenário de Herivelto não ser tão lembrado quanto o de Luiz Gonzaga, mas sem tirar o mérito do ‘Rei do Baião’. “A morte, ás vezes, redime. Penso que os dois mereciam mais adoração em vida. Eles, como Ary Barroso, Cartola, Lupicínio Rodrigues, foram compositores muito prolíficos”.

SOFISTICAÇÃO
Não bastasse isso, Edson ainda os considera donos de uma “sofisticação intuitiva”, o que contribuiu para legarem vários clássicos à canção brasileira. Oriundo do teatro (estourou a partir do musical “Hair”) e detentor de uma voz de contratenor, o entrevistado faz uma reflexão acerca da própria carreira. “Sou cantor popular. Não sou lírico. O que eu faço é uma mistura, a partir de um esforço para estudar minuciosamente um Mozart e oferecer essa beleza ao maior número de pessoas possível”.

“Quando um compositor é muito gravado, pode saber que ele é bom”, atesta Toninho Horta, referindo-se à qualidade do trabalho de Herivelto, que vai desde a marchinha ao samba-canção, passando pelo reduto do samba, onde introduziu o apito como forma de marcação. Edson Cordeiro, na mesma linha, completa o raciocínio: “A nobreza da música de Herivelto Martins está viva. É uma coisa muito bonita, pura, desprovida de academicismo”.

CAMINHOS
Toninho Horta pretende manter o “clima original” das músicas de Herivelto Martins, feitos sob a égide, principalmente, da “dor de cotovelo”. “Ele era um compositor romântico, prestigiado, de muita emoção. Irei respeitar a arte deste grandioso nome da cultura nacional”.

Edson Cordeiro, que sempre optou por caminhos sinuosos (a exemplo do convite feito a Cássia Eller para cantar em seu disco, na década de 90, uma união de música clássica com Rolling Stones) promete não deixar por menos, e irá perpassar a obra com a habitual verve transgressiva: “Tenho muita intimidade com este cancioneiro”.

Sobre a aparência da música brasileira em território europeu, conclui que a bossa nova ainda é o cartão postal, mas não descarta a imposição de ritmos populares, a exemplo do sertanejo universitário capitaneado por Michel Teló. “É um fenômeno mundial e efêmero. Respeito, mas não é minha praia”. A praia de Edson Cordeiro teria sido aberta ao público por Ney Matogrosso, companheiro em alguns duetos durante a carreira, e a quem refere-se como “amigo e gênio”. “O Ney é um pioneiro, em várias áreas. Pioneiro da liberdade”, finaliza.

homenagem Herivelto Martins

Raphael Vidigal

Publicado no jornal “Hoje em Dia” em 11/12/2012.

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4 Comentários

  • Acabo de assistir ao show desse grande artista, que é Toninho Horta, ao lado do Edson Cordeiro, que tá cantando muito. Um show imperdível. A nossa música brasileira não tem explicação!

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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