*por Raphael Vidigal Aroeira
“Não bebo, não fumo e não cheiro, só minto um pouquinho de vez em quando…” Tim Maia
Tornou-se clichê dizer que a voz de Tim Maia e sua corpulência eram do tamanho de seu talento, justo ele que fugiu de frases feitas e aceitou outras tantas. Em sua trajetória dentro da música popular brasileira Tim foi definitivo ao trazer a influência da soul music americana, produzida pelos negros nos Estados Unidos, aonde, aliás, viveu por um tempo, o suficiente para ser preso por roubo de carro e posse de maconha. As muitas polêmicas que envolveram seu temperamento e o comportamento fora dos palcos foram por vezes traduzidas nas canções rasgadas e lamentosas, sempre de uma força rítmica impressionante. Tim mesmo dizia, em outras palavras, que o importante na vida era a levada. Ele legou sucessos inesquecíveis para a canção brasileira.
Hino do América-RJ (marcha, 1943) – Lamartine Babo
Os quatro grandes clubes da cidade do Rio de Janeiro, além do à época popular, América, tiveram seus hinos compostos pelo não menos popular Lamartine Babo. Famoso pelas composições carnavalescas, mas também por peças românticas e valsas, sendo a mais conhecida uma parceria com Ary Barroso (“No Rancho Fundo”), não chega a ser espantoso o êxito de Lamartine nas duas frentes. Se formos prestar atenção existe um quê de glória, de exaltação, de alegria tanto no gênero da marchinha quanto no hino. Pelo talento de Lamartine Babo, os torcedores de Flamengo, Fluminense, Botafogo e Vasco entoam a plenos pulmões os versos de exaltação e glória, além dos resistentes e bravos apaixonados pelo América, clube de coração de Lamartine. Tim Maia emprestou como ninguém a potência da voz para celebrar essas músicas, com exceção do Botafogo, e legou registros impressionantes para os clubes cariocas. Ele, outro apaixonado e torcedor convicto do América-RJ nos faz crer ser este o mais bonito dos hinos. Prova do poder da palavra e da intenção dos sentimentos.
Primavera (soul, 1970) – Cassiano e Sílvio Rochael
Tim Maia é daqueles intérpretes tão expressivos que ao cantar uma música tornava-a a sua, talvez só comparável a Elis Regina. Por isso não é estranho notar que “Primavera”, um soul de 1970 escrito por Cassiano e Sílvio Rochael esteja indiscutivelmente ligado à sua imagem, ou melhor, à sua voz. Mas é preciso fazer justiça aos compositores, principalmente a Cassiano, autor de pérolas desse gênero restrito no país, que encontrou em Tim sua expressão maior, mas que também contava com Hyldon, outro frequentemente relegado, autor do megassucesso “Na rua, na chuva, na fazenda”. A música, romântica, encontra seu ápice quando o vozeirão de Tim anuncia: “É primavera/Te amo!/É primavera/Te amo, meu amor!/Trago esta rosa/Para lhe dar/Meu amor/Hoje o céu está tão lindo”. E o coro interpreta sutil a glória da chuva. “Vai chuva…”.
Não quero dinheiro [Só quero amar] (soul music, 1971) – Tim Maia
Seguindo a mesma linha e ideologia de Martinho da Vila, o eterno síndico da música brasileira, Tim Maia, despreza em seu poderoso soul “Não quero dinheiro [Só quero amar]” o valor do primeiro em relação ao segundo. Nessa ode ao amor e ao desapego, Tim demonstra, mais uma vez, o poder de sua voz e dá mostras do porquê de a sua figura ser, até hoje, uma das mais reverenciadas na música brasileira. Por que sempre colocou a paixão em primeiro lugar, nunca a mesquinharia. A música foi regravada, em ritmo de axé, por Ivete Sangalo e uma pegada mais roqueira por Roberto Frejat. O refrão alegre e descontraído segue como um dos preferidos para embalar festas e comemorações de todo tipo.
Chocolate (soul, 1971) – Tim Maia
Desde que se tem notícia do seu aparecimento ainda na era pré-colombiana dos países da América Central, o chocolate não serve apenas como alimento. Claro, a sua função principal é essa, até por ser difícil negar suas qualidades tão atrativas ao paladar. Mas é, sobretudo, por outros sentidos como visão, tato e olfato, que o chocolate atende a diversas intenções. Não por acaso está associado a celebrações como a Páscoa e o Dia dos Namorados. No universo da cultura popular é difícil uma arte que tenha escapado ao seu charme. Na música, o jingle criado por Tim Maia cujas alusões ao uso de entorpecentes são frequentemente comentadas é, sem dúvida nenhuma, a de maior impacto. Até mesmo pelo peso que o “Síndico” imprimia às suas canções. O maior cantor de soul do Brasil era seco e claro ao dizer que nada mais servia além de “Chocolate”, na música de mesmo título regravada por Marisa Monte, entre outros.
*Bônus:
W/Brasil [Chama o Síndico] (samba-rock, 1990) – Jorge Benjor
Em 1989, Jorge Ben alterou o seu nome artístico para Jorge Benjor. Algumas especulações como a numerologia e a carreira internacional do artista, que não queria ser confundido com o músico norte-americano George Benson, foram levantadas. Certo é que no ano seguinte ele lançou uma música que seria estouro nas pistas de dança. “W/Brasil” fazia uma brincadeira com uma famosa agência de publicidade brasileira, e aproveitava a deixa para prestigiar o amigo Tim Maia, conhecido como “Síndico” da canção no Brasil.
Fotos: Divulgação; e Antonio Milena, respectivamente.