5 músicas revolucionárias com Clementina de Jesus

Clementina de Jesus, a rainha Quelé da música brasileira

*por Raphael Vidigal

“Desde então, os povos das montanhas dizem que a amizade ajuda a tornar as pessoas mais livres.” Contos Africanos

Somente o fato de gravar o primeiro disco com mais de 60 anos de idade já foi uma revolução de Clementina de Jesus dentro da música popular brasileira, ainda mais cantando ritmos de origem africana com sua voz típica daquelas paragens. Clementina de Jesus foi uma revolucionária do cancioneiro popular sem para isto empunhar bandeiras, pulsos ou brasões, sua presença de espírito – no que o sentido alude ao sincretismo nacional – em todos os sentidos, ao cantar as memórias de seu povo escravo e impor sua figura feminina, negra e de origem humilde, determinaram novos paradigmas para a concepção que se instaurava naquele período. A influência seguiu e deve permanecer por muito tempo ainda, forte e livre, como a ladainha de nossa Rainha Quelé Clementina.

O Canto dos Escravos (domínio público, 1928) – Clementina de Jesus, Geraldo Filme e Doca da Portela
Lançado pela Eldorado em 1982, o disco “O Canto dos Escravos” remonta a pesquisa empreendida por Aires da Mata Machado Filho na Chapada Diamantina no ano de 1928, quando recolheu “cantigas populares em língua africana ouvidas outrora nos serviços de mineração”. Segundo ele próprio, foi através de “notas apressadas” que este tesouro da história nacional tomou forma e corpo, 53 anos depois, através das vozes de Clementina de Jesus, do sambista paulistano Geraldo Filme e do carioca Doca da Portela, trio extremamente identificado com as causas negras e o combate ao racismo no Brasil. Ao todo a coletânea apresenta 14 cantos e mais duas faixas extras.

Mulato calado (samba, 1947) – Marina Batista e Benjamim Batista
“Mulato calado” consta como sendo de autoria de Benjamim e Marina Batista, esposa de Wilson, a pedido do próprio. Tendo sido inclusive registrada por seu verdadeiro autor, além de Aracy de Almeida e Adriana Calcanhotto, entre outros, o samba retrata uma história dramática que exemplifica a realidade dos morros cariocas, ainda na década de 40. Revivida por Clementina de Jesus 30 anos depois de seu lançamento, em 1977, apresenta integralmente personagens complexos do cotidiano brasileiro, acostumados a conviver com vida e morte na mesma sentença. “Vocês estão vendo aquele mulato calado, com o violão do lado, já matou um, já matou um…”.

Fala, Mangueira! (samba, 1968) – Cartola, Nelson Cavaquinho e Carlos Cachaça
No ano de 1938, antes de ser expulso da corporação, Nelson Cavaquinho conseguiu dar baixa em seu cargo na polícia, separou-se de Alice, sua mulher à época, e entregou-se definitivamente ao samba e à boêmia. Em 1952 foi morar em Mangueira, onde permaneceu por um ano e meio, e, em 1968 dividiu com Cartola, Clementina de Jesus, Carlos Cachaça e Odete Amaral os vocais de “Fala Mangueira”, produzido por Hermínio Bello de Carvalho. Esse álbum foi outro marco da produção nacional do período, por reunir, de uma só tacada, quatro dos bambas mais expressivos dos morros cariocas, além de Odete Lara. Clementina de Jesus, Cartola, Nelson Cavaquinho e Carlos Cachaça de uma só vez é para quem não tem medo de embriagar-se de toda a nossa arte natural.

Oração de Mãe Menininha (samba, 1972) – Dorival Caymmi
“Oração de Mãe Menininha” é um agradecimento sincero de Dorival Caymmi à iluminação que ele e a Bahia recebem da mãe-de-santo mais reverenciada de Salvador, apregoando sua crença no candomblé. Feita em comemoração aos 50 anos da ialorixá, Caymmi afirmou que o título da canção se pronuncia na boca do povo: “de Mãe Menininha”, assim como dizem “de Santo Antônio”. Samba lançado em 1972 que marcou terreiro nas vozes de Gal Costa, Maria Bethânia e Clementina de Jesus.

Torresmo à Milanesa (samba, 1979) – Adoniran Barbosa e Carlinhos Vergueiro
Adoniran Barbosa, cronista da fala e poeta da cidade, compôs ao lado de Carlinhos Vergueiro em 1979 o samba “Torresmo á Milanesa”, que fala sobre a dura realidade dos trabalhadores da obra. Os dois, ao lado de Clementina de Jesus, cantam um dos poucos momentos de prazer desses trabalhadores, quando o enxadão da obra bate onze horas e eles podem sentar na calçada, conversarem sobre isso e aquilo e principalmente comerem suas marmitas com ovo, arroz com feijão e o torresmo à milanesa da Tereza! Esse momento tão aguardado do dia é retratado nos versos de Adoniran com a simplicidade e beleza que tem a hora do almoço, que mesmo que aconteça na calçada e não tenha mesa, continua sendo sagrada e merecida.

Clementina de Jesus posa ao lado do cantor Orlando Silva

Fotos: Arquivo e Divulgação. Na segunda imagem, Clementina posa ao lado do cantor Orlando Silva.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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