“Assim, hoje, passados dez anos, percebo que para um exilado não existe nenhum lugar onde possa viver; não existe nenhum lugar, porque aquele com o qual sonhamos, onde descobrimos uma paisagem, lemos nosso primeiro livro, tivemos a primeira aventura amorosa, continua sendo o lugar sonhado. No exílio, ele não passa de um fantasma, a sombra de alguém que nunca consegue alcançar sua completa realidade. Deixei de existir desde que cheguei no exílio; a partir de então, comecei a fugir de mim mesmo.” Reinaldo Arenas
Ao lado de Vinicius de Moraes, Toquinho aprendeu a cultivar, na década de 70, a prática de estar sempre bem acompanhado por uma intérprete de peso da música brasileira. Maria Creuza foi a primeira, e Miúcha, uma das mais recorrentes. Na Argentina, em 1971, eles levaram a então iniciante Maria Bethânia que, segundo Toquinho, “dispensa rótulos”. Com Clara Nunes, em 1973, realizaram uma extensa temporada nos circuitos universitários. “Clara tinha leveza na voz e muita graciosidade em cena, além de uma explosão no limite exato”, elogia Toquinho.
1 – Ao longo de suas parcerias com Vinicius de Moraes, vocês se apresentaram com várias cantoras. Como foi dividir o palco com Maria Creuza, Miúcha, Clara Nunes e Maria Bethânia? O que cada uma delas tinha de especial?
Desde a parceria com Vinicius, cantoras sempre estiveram presentes nos shows, em seus vários formatos. Maria Creuza esteve no meu primeiro trabalho com Vinicius, em 1970, na Boate La Fusa, em Buenos Aires. Deslanchamos nossas carreiras a partir daí, e até hoje nos apresentamos em sucessivas temporadas pela América Latina. O desempenho vocal dela valoriza sobremaneira os espetáculos e nossa amizade ultrapassa o aspecto profissional. Miúcha marcou sua participação em minha carreira, entre outras apresentações, principalmente no show do Canecão, no Rio de Janeiro, em 1977, ao lado de Vinicius e Tom Jobim. Clara Nunes era a explosão no limite exato, tinha leveza na voz e graciosidade em cena. Trabalhamos juntos em 1973, numa extensa temporada nos circuitos universitários que fizemos junto ao Vinicius. E Maria Bethânia dispensa rótulos de talento. Fizemos um sucesso memorável em Mar del Plata, em 1971, também com Vinicius. Ela tem uma sabedoria na amizade total e verdadeira, além do timbre vocal que deixa um rastro infindo na memória.
2 – Quando foi que você e a Badi Assad se conheceram e de que maneira se deu esse primeiro contato?
Ao longo do tempo, nossa parceria de palco vem se repetindo no Brasil e pelo mundo, principalmente na Itália, onde fizemos shows memoráveis. Badi é uma violonista com estilo próprio, fora dos padrões convencionais. Ela extrai do instrumento sons incomuns, numa percussão que se destaca pela originalidade. São características opostas, mas que se ajustam às minhas, num contraponto entre a simplicidade sofisticada do meu violão e de minha voz e a exuberância instrumental e vocal dela. Há que respeitar a performance e o estilo da parceira. Ajustar e harmonizar os contrastes. Enfim, burilar as diferenças que se unem pela conexão pessoal. No fim, tudo dá certo.
3 – Como foi selecionado o repertório para essa apresentação com a Badi Assad?
Somos de gerações distintas e temos estilos opostos. Isso até que valoriza a viagem que faremos por clássicos da música popular brasileira. Entre outros números, talvez repitamos pot-pourri emocionante, num diálogo pelas músicas “Sinal Fechado”, “O Velho e a Flor”, “Samba em Prelúdio” e “Mais um Adeus”, que pode bem definir o que será o show. Além de solos isolados e participações pessoais.
4 – De que maneira nasceu a composição “Samba de Orly”, com Vinicius de Moraes e Chico Buarque?
Foi em 1969, depois de seis meses na Itália que passei ao lado de Chico. Eu tinha deixado com ele um tema a ser desenvolvido. No dia da despedida, no aeroporto de Fiumicino, ele largou comigo dois versos: “Vê como é que anda aquela vida à toa/ Se puder me manda uma notícia boa”. Nascia assim essa canção que foi completada posteriormente no Brasil, com a participação de Vinicius de Moraes. Ela se chama “Samba de Orly” porque era geralmente em Orly, na França, que pousavam os aviões transportando os exilados brasileiros perseguidos pela ditadura daquela época.
Raphael Vidigal
Fotos: Marcos Hermes/Divulgação; e arquivo, respectivamente.