Rei da Embolada, Manezinho Araújo é 100!

“Alegres trópicos: bagana – papanata – ponta
firme – campar com a pururuca – encher a moringa
de fumaça – buchicho – xarope – muquirana.” Wally Salomão

Manezinho-Araujo

Um homem que teve sucessos gravados por Gilberto Gil e Jackson do Pandeiro, conheceu Noel Rosa e despertou o encanto de Carmen Miranda completaria cem anos de vida em 2013. A sentença condicional deve-se tanto ao falecimento (em 23 de maio de 1993) quanto à incerteza da efeméride. Afinal Manezinho Araújo afirma em entrevista a Fernando Faro para o programa “Ensaio” ter nascido em 27 de setembro de 1910, enquanto o Dicionário da Música Popular Brasileira de Ricardo Cravo Albin, e outros veículos de imprensa, o desmentem, determinando o choro do menino a vir ao mundo em 1913.

Pernambucano, natural de Cabo, no interior, “Manezinho Araújo escreveu uma importante página na história da música brasileira. Uma página de muita originalidade e de uma simplicidade que ás vezes pode ser confundida com algo raso, descartável, mas a música dele tinha fundas raízes”, depõe o cantor e compositor Geraldo Maia, que homenageou seu conterrâneo no álbum “Ladrão de Purezas”, lançado em 2011 pela Biscoito Fino, com pérolas pouco conhecidas mescladas a inegáveis êxitos. Conhecido como “Rei da Embolada”, Manezinho é da dinastia de “monarcas” do nordeste, como Luiz Gonzaga (“Rei do Baião”) e Jackson do Pandeiro (“Rei do Ritmo”).

REIS DO NORDESTE
Se Manezinho espalhou os versos de Miguel Lima sobre a música de Luiz Gonzaga com “Dezessete e Setecentos”, a gravação de Jackson do Pandeiro para “Como Tem Zé Na Paraíba” (“Vixe como tem Zé /Zé de baixo, Zé de riba/Desconjuro com tanto Zé/Como tem Zé lá na Paraíba”), tornou-se tão emblemática que poucos associam o rojão a seus verdadeiros autores (no caso uma parceria de Araújo com Catulo de Paula). “Desde sempre é assim, a maioria das pessoas não presta atenção no compositor, mas sim em quem canta, o próprio rádio tem por hábito dizer o nome do intérprete”, lamenta Geraldo Maia.

Seja como for, a influência da música de Manezinho não se restringe ao ritmo que lhe deu o epíteto nem ao nordeste, como Maia faz questão de ressaltar. “Ele era muito versátil, compôs um pouco de tudo: samba, coco, maracatu, frevo, baião, maxixe”. Outra prova incontestável é a ressonância através de nomes da chamada “Era de Ouro” do rádio no Brasil. Além de amigo de Noel Rosa, tornou-se conhecido de Mário Reis e Francisco Alves, que dizia sobre o autor de “Caminhão do Coroné”, “Pra onde tu vai, valente?”, “Cuma é o nome dele?”, e outras: “Esse pernambucano tem reza!”.

CANTADOR
Manezinho tinha por hábito definir-se como “cantador, e não cantor”, e ia além. “Todo artista é vaidoso ao extremo”, dizia. Quando chegou ao Rio de Janeiro em 1933 havia recebido as lições do cantor e compositor Minona Carneiro, “mestre e grande improvisador que morava próximo a ele”, salienta Geraldo; e o apoio incondicional de ninguém mais ninguém menos que Carmen Miranda. Eles se conheceram quando Manezinho, então soldado voluntário da Revolução de 1932, embarcava numa viagem para o Rio de Janeiro, como prêmio, posto que quando o pelotão chegou à Bahia os eventos já haviam terminado.

A bordo do marítimo se apresentavam, além da “Pequena Notável”, o cantor Almirante e os violonistas Josué de Barros e Betinho. Com ousadia, como de costume, Araújo resolveu ali mesmo agraciá-los com uma embolada. “Carmen ficou fascinada com ele e o incentivou a se mudar para o Rio”, rememora Geraldo. Daí para a rádio Mayrink Veiga, depois “Programa do Casé”, na rádio Philips, até a consagração em todo o país, foram vários pulos. “Ele era requisitado com a mesma assiduidade que são os artistas pop de hoje, foi gravado por inúmeros artistas”, pontua Geraldo Maia.

PANELAS E TINTAS
Apesar disso Manoel Pereira de Araújo, o Manezinho, é nome praticamente esquecido no cenário atual da música brasileira. Com raríssimas exceções, como revela num tocante depoimento Geraldo Maia. “A música ‘Beata Mocinha’, parceria dele com Zé Renato, até hoje é entoada nas romarias do sertão do Cariri, quase que como um hino religioso, um bendito. Todo mundo sabe cantá-la, mas poucos sabem que ela é de Manezinho”. Nesse específico caso a obra superou o artista, sobre quem escreveu na contracapa da coletânea “Cuma é o nome dele?”, de 1974, o produtor Flávio Porto: “Não existe na música popular brasileira contribuidor tão efetivo quanto Manezinho Araújo, (…) ele emprestou ao compositor carioca a fórmula de herói galhofeiro, do crítico atento e acirrado a modos e costumes, (…) é música viva, autêntica, para os que gostam de música brasileira sem trejeitos e sofisticações”.

O próprio compositor revelava mágoa com Pernambuco, e confidenciava sentir “falta de reconhecimento, é aquela velha história, santo de casa não faz milagre, sou mais bem tratado na Bahia e no Rio de Janeiro”. Parte dessa desilusão foi responsável por abrir novos caminhos aos passos de Manezinho. Em 1954 decidiu abandonar a carreira artística com um espetáculo que reuniu 10 mil pessoas, e passou a se dedicar exclusivamente a outras duas paixões: a pintura e a culinária. “Ele pegou a fase áurea do rádio, mas também o seu declínio, quando a televisão começou a se impor como veículo de massa”, detalha Geraldo. Com um restaurante de comida típica nordestina no Leme, Rio de Janeiro, o “Cabeça Chata”; Araújo orgulhava-se do sucesso e de receber “do mais simples nortista com saudade da sua terra ao presidente da República”, como esbanja na entrevista a Fernando Faro.

EMBOLADA
Embora tenha abandonado o ofício de cantar, Manezinho continuou vítima de elogios e atenção. “Instigado pela esposa, Dona Lalá, ele começou a pintar e virou um dos mais expressivos pintores primitivistas do Brasil, com exposições que eram um verdadeiro sucesso de público e crítica”. A tese, de Geraldo Maia, é endossada por Flávio Porto, que já sentenciava em 1974: “seus quadros são hoje conhecidos em todo o país, muito mais do que sua música”.

Seja como for, mesmo sem herdeiros artísticos na visão de Maia, “ele deixou uma marca inconfundível”; a semente do intérprete está espalhada, como bem aferia o compositor e poeta Wally Salomão ao comentar trabalho de Gilberto Gil na década de 1970: “REFAVELA é uma emboladinha superbrasileira made by a mad Manezinho Araújo”. A lamentar somente por aqueles que ignoram todo esse mundo. O “Rei da Embolada” está mais vivo do que nunca. “Perde o Brasil e perdem os brasileiros a chance de conhecer um artista que muito fez pela nossa música e cultura em geral”, encerra Geraldo Maia.

DISCOGRAFIA
1956 – Manezinho no Cabeça Chata
1963 – Música e Bom Humor (O Cabeça Chata)
1974 – Cuma É O Nome Dele?
2000 – A Música Brasileira Deste Século Por Seus Autores e Intérpretes: Manezinho Araújo (músicas e entrevista para Fernando Faro)
*Excluindo-se todos os discos de 78 rotações lançados de 1933 a 1956.

Manezinho-Araujo-embolada

Raphael Vidigal

Crédito das fotos: Revivendo e Oswaldo Micheloni, respectivamente.

Compartilhe

Facebook
Twitter
WhatsApp
LinkedIn
Email

Comentários pelo Facebook

11 Comentários

  • Geraldo Maia, como sempre uma artista musical maravilhoso … essas informações sobre Manezinho Araújo pesquisada por ele é de uma importância para Pernambuco e Brasil, sem limites !! Parabens Geraldo Maia vc é o Cabra …. O Cabra Bom !!!

    Resposta
  • MANEZINHO ARAÚJO FOI UM DOS MAIORES ARTISTAS DO BRASIL E NÃO É DIVULGADO PELA MÍDIA COMERCIAL E MANIPULADORA!

    Resposta
  • Sempre que vejo algo a respeito do Manezinho, me lembro do querido amigo Bernardo Alves.. Há pouco mais de década, passávamos tardes em sua loja de discos usados na praça Maciel Pinheiro… ele me apresentando obras fora de catálogo e ensinando o pouco que sei sobre a música desse pernambucano valente. Amizade preciosa da qual sinto muita saudade.

    Resposta
  • Conheci melhor suas musicas atraves da interpretacao de Geraldo Maia no CD “Ladrao de Purezas”e adorei.

    Resposta
  • Querido, a data de nascimento não tira o mérito do seu trabalho de modo algum, mas ele realmente nasceu em 1910. Tenho documentos e sou amigo da sobrinha e única herdeira da obra dele, ela é citada no meu disco-tributo e dá um depoimento, inclusive. Fica o registro. Abço. O Dicionário de Cravo Albin está errado nisso como em muitas outras informações que presta sobre outros artistas…

    o “velho” REI DA EMBOLADA…sempre tão novo!
    Salve Manezinho!

    Resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Recebas as notícias da Esquina Musical direto no e-mail.

Preencha seu e-mail:

Publicidade

Quem sou eu


Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

Categorias

Já Curtiu ?

Siga no Instagram

Amor de morte entre duas vidas

Publicidade

[xyz-ips snippet="facecometarios"]