“namoram na sombra da parede onde a árvore derrama sua chuvarada escura de flores.” Virginia Woolf
Se eu sou um mistério para mim, por que deixar de sê-lo para os outros? Há tártaro nas janelas. Existe tártaro nos poemas. O tártaro, onde quer que ele esteja, não é evasão de morte, mas impressão de vida. O tártaro dá plasticidade à cena. O tártaro suja o poema. O tártaro confere ao ambiente sua condição espessa. Eliminar todas as clemências, todas as luzes brandas, todas as preces. Para que reste a ausência consentida. Que existiu somente para o nosso descaso. Um poço de sabedoria afogado em tramas e veleidades. Passa: com desgosto, sem saber, ao largo. Passa: não tem queijo, garfo ou faca. Cascão, cascudo, casca. Tem problemas, sérios problemas, por isso riscaram-no do mapa. Mas é uma figura pacata, pequena, bonita, e necessitada. Igual a todas as outras.
O real motivo? O real motivo nem Deus sabe. Um menino ladrão de goiabas: desperta, despedaçada. O dia passou macilento, arrastado e incrédulo. Precisa retornar. Uma cidade decrépita afunda em banzo: ali está ela. A menina. Sem remorsos ou despedidas jogam-se cartas no mar. Como este livro que nada diz a verdade. Que inventa, ludibria, mata. A mentira, a mentira, livro da mentira, livro do enfeite, malogrado e infungível. Escreva sobre o que a sentir: uma lasca, uma avelã, uma lira, uma lorota, uma lufa leve lava. Vigora o café passado o desespero diário: perdidas linhas. De ti não tenho a dizer nada. Não temo mais a sorte da romã, as ostras do verão… O ímpeto não permite protesto. Frequentemente temos uma impressão, e na realidade aconteceu outra coisa.
Raphael Vidigal
Pinturas: Obras de Giorgio Morandi.