Letrista de ‘Evidências’ e ‘Você Me Vira a Cabeça’, Paulo Sérgio Valle chega aos 80

*por Raphael Vidigal

“muito romântico
meu ponto pacífico
fica no atlântico” Paulo Leminski

Letrista de “Evidências” e “Você Me Vira a Cabeça”, Paulo Sérgio Valle chegou aos 80 anos sem fazer alarde. A data foi comemorada na última semana, e a comoção por parte da grande imprensa foi quase nula. Ao contrário de compositores que se tornam eventuais cantores, Paulo Sérgio nunca gravou um disco. Publicou livros, mas, para o Brasil – e, é bem possível, o mundo todo – vale a advertência de uma personagem da comédia dramática “O Mistério de Henri Pick”, em exibição no Festival Varilux Em Casa: “A França tem mais escritores do que leitores”. O fato de não interpretar com a própria voz as letras que cria certamente contribui para que Paulo Sérgio siga confortável na sombra.

Irmão de Marcos Valle, um dos mais proeminentes músicos da chamada segunda fase da bossa nova, ele preencheu com discursos simples e filosóficos as melodias de “Samba de Verão”, “Viola Enluarada” e “Preciso Aprender a Ser Só”, que inspirou Gilberto Gil a compor a existencialista “Preciso Aprender a Só Ser”. A dupla em família ainda rendeu a politizada “Black is Beautiful”, interpretada de maneira arrebatadora por Elis Regina, e que se transformou em espécie de hino contra o racismo. Tony Tornado, ao assistir à apresentação de Elis, subiu no palco com os punhos cerrados, repetindo o gesto dos Panteras Negras, movimento antirracista norte-americano, e acabou preso pela ditadura.

Pop. Afora esse lado aplaudido pela crítica especializada, o interessante é que Paulo Sérgio se tornou um sucesso de público sem jamais ser reconhecido pelo rosto. Sua veia popular pode ser comprovada em hits como “Se Eu Não Te Amasse Tanto Assim”, parceria com Herbert Vianna lançada por Ivete Sangalo, “Essa Tal Liberdade”, que grudou igual chiclete com o grupo de pagode Só Pra Contrariar, e “Você Me Vira a Cabeça”, o bolero derramado que Alcione gravou com direito a todos os exageros do gênero. Feita com Chico Roque, a canção tem a medida dos corações devastados: “Você não me quer de verdade/ No fundo eu sou tua vaidade/ Eu vivo seguindo teus passos/ Eu sempre estou presa em teus laços”.

Uma das principais características dessas canções populares de Paulo Sérgio é a capacidade de emendar um verso memorável atrás do outro, como fica explícita na sequência de indagações que Alcione propaga: “Porque você não vai embora de vez?/ Porque não me liberta dessa paixão?/ Por quê?/ Porque você não diz que não me quer mais?/ Porque não deixa livre o meu coração?”. A impressão de que o mérito é todo da força da melodia vai por água abaixo quando se constata que o ápice fonográfico de Paulo Sérgio aconteceu com uma música abarrotada de refrões. Talvez “Evidências” seja a única música com três refrões no mundo. A melodia é de José Augusto, cantor romântico que, nos anos 1990, emplacou “Aguenta Coração” na novela “Barriga de Aluguel”, da TV Globo.

Hit. Muita mais associada aos intérpretes Chitãozinho & Xororó do que a seus autores, “Evidências” costuma embalar fins de festa pelo caráter apoteótico de sua conjunção entre melodia e letra e, principalmente, por confessar sentimentos que bêbados e crianças tendem a não reprimir. Típica canção de dor de cotovelo, ela se utiliza de um jogo duplo para revelar a que veio: primeiro nega, só depois escancara: “Quando eu digo que deixei de te amar/ É porque eu que te amo/ Quando eu digo que não quero mais você/ É porque eu te quero”. Daí por diante, tudo é refrão, até o apogeu que fala de “loucura”, “desejo”, “saudade” e “coração”, um combo de clichês passionais que ganhou verniz sertanejo, mas, verdade seja dita, está na lírica do romantismo e seu idealismo da pessoa amada. Desse mel, até Maria Bethânia provou. E derramou.

Fotos: Raphael Dias; e José Santos, respectivamente.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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