Joubert de Carvalho criou clássicos da seresta e do Carnaval

Maringá

*por Raphael Vidigal

“Ao varrer o sagrado desvão
Denominado Memória,
Escolhe uma vassoura reverente
E faz em silêncio o teu trabalho.” Emily Dickinson

Haveria algo que Joubert de Carvalho não soubesse realizar? Pois até mesmo a marchinha de carnaval lhe deu o primeiro sucesso. Não entro aqui em questão de mérito ou dificuldade. Mas é porque é tido e havido que esta não era sua prioridade. Profissão de currículo e diploma debaixo do braço, medicina, à qual se dedicou de maneira parcial, pois existia outra dama atentando-lhe os olhos: Música. E como seria possível ainda assim conseguir um cargo no Instituto dos Marítimos, promovido a médico do Estado? Rumores apontam para a troca de favores. Sendo que no Brasil inaugurou a medicina psicossomática e compôs a única canção a inspirar nome de cidade, o caso parece solucionado. O mineiro nascido em Uberaba que passou parte da adolescência em São Paulo e praticamente toda a vida adulta no Rio de Janeiro, favoreceu a sensibilidade através do uso do seu ‘ouvido interno’, como ele falava. Existem saberes intransponíveis em laudas. Como o susto de alegria perante uma Música.

Ta-Hi [Pra você gostar de mim] (marchinha, 1930) – Joubert de Carvalho
Na pacata cidadezinha de Uberaba, o menino Joubert de Carvalho logo se engraçava quando vi ressoar o som da banda, no que corria de pijama e tudo atrás da mesma. Afeito à música desde pequeno, Joubert ganhou aos nove anos de idade um piano de presente do paifazendeiro. Os dobrados foram a sua primeira inspiração. Mas só quando se mudou para São Paulo e depois para o Rio de Janeiro é que aquela massa musical que se bulia dentro dele começou a tomar forma. Primeiro compôs uma valsa em homenagem à ‘Cruz Vermelha’, em seguida, já cursando medicina, passou a escrever diversos tangos brasileiros, como o dedicado ao sanitarista Osvaldo Cruz, ‘Cinco de Janeiro’. Inicialmente, o pai era contra a investida do filho, pois achava que desviaria a atenção da medicina. Só que os editores passaram a comprar cada vez mais as músicas de Joubert e aumentar o valor dos pagamentos. Enquanto a canção ‘Príncipe’ tornou-se a primeira brasileira gravada no exterior, ‘Ta-Hi’ virou uma febre nacional. A marchinha lançada por Carmen Miranda, intitulada a princípio ‘Pra você gostar de mim’, caiu tanto no gosto do povo que este se viu no direito inclusive de trocar o nome. Nunca houve um filho adotivo carregado com tanto fervor e entusiasmo. E olha que a marchinha nem era o ritmo preferido de Joubert de Carvalho, assumido apreciador de seresta e música clássica.

“Ta-hi,
Eu fiz tudo pra você gostar de mim
Oh meu bem,
Não faz assim comigo não
Você tem, você tem,
Que me dar seu coração!”

De papo pro ar (cateretê, 1931) – Joubert de Carvalho e Olegário Mariano
Com Olegário Mariano, Joubert de Carvalho fomentou uma das parcerias mais profícuas em termos de repertório e qualidade da história musical brasileira. Inicialmente o casamento começou como aquele famoso caso em que apenas um dos parceiros sabe que está namorando. Joubert musicou dois poemas de Olegário, ‘Cai, cai balão’ e ‘Tutu Marambá’, que os apreciou, e a partir daí nasceram várias canções. Uma que tem levada das mais gostosas é o cateretê “De papo por ar”, de 1931, e que exalta a mansidão e preguiça típicas de Macunaíma, vista de perto em andanças dos dois comparsas. Lançada por Gastão Formenti foi regravada por célebres nomes como Paulo Tapajós, Ney Matogrosso, Renato Teixeira, Sérgio Reis, Inezita Barroso, Maria Bethânia, Pena Branca & Xavantinho, e outros.

“Não quero outra vida,
Pescando no rio de Gereré
Tem peixe bom,
Tem siri patola 
De dá com o pé!”

Zíngara (canção-rumba, 1931) – Joubert de Carvalho e Olegário Mariano
Pianista, compositor e médico, Joubert de Carvalho foi gravado pelos maiores estandartes do rádio e posteriormente continuou recebendo reverência dos cantores da música brasileira. Em sua época, é imperioso destacar a colocação da voz em suas canções por Francisco Alves, Silvio Caldas, Carlos Galhardo, Orlando Silva, Carmen Miranda, Gastão Formenti, Gilberto Milfont, etc. Uma das inúmeras músicas de Joubert que atravessam a parede da memória é a canção-rumba de 1931, composta em parceria com Olegário Mariano, ‘Zíngara’. Nela, a letra aprecia os dotes de uma cigana, enquanto que a melodia embala os desejos de um passado glorioso. Não obstante mencionar o fato de ser o prefixo musical do programa ‘A Hora do Coroa’, há mais de 40 anos no ar pela rádio Itatiaia, apresentado por Acir Antão.

Pierrot (valsa, 1932) – Joubert de Carvalho e Paschoal Carlos Magno
Conta Joubert de Carvalho que ele estava passeando na rua quando o dramaturgo Paschoal Carlos Magno o interpelou com entusiasmo raro: o pedido era para que fizesse uma canção para sua peça de teatro, intitulada ‘Pierrot’. O ano era 1932 e já haviam arrumado até o cantor para interpretar o motivo a ser composto, e era Jorge Fernandes, possuidor de voz fina e melodiosa. Logo Joubert escutou de sua ‘voz interna’ as notas que viriam a formar o gesto final, o último ato da valsa. Gravada posteriormente por Silvio Caldas, Vicente Celestino e Francisco Petrônio com acompanhamento de Dilermando Reis, entre outros.

“Há sempre um vulto de mulher
Sorrindo em desprezo à nossa mágoa
Que nos enche os olhos d’água!

Pierrot, Pierrot!” 

Maringá (toada, 1932) – Joubert de Carvalho
É difícil listar músicas que se impregnam de tal forma ao imaginário de um povo a ponto de se tornarem emblemáticas. Gerada a partir de uma idéia simples de Joubert de Carvalho, a de contar ahistória de uma retirante chamada Maria pela seca cidade de Ingá. ‘Maringá’, colagem dos dois nomes, nasceu predestinada à fama. Uma toada de andamento dolente que busca nas profunduras o afeto singelo e meigo pelo que nos cativa. E é provavelmente este, muito mais que o intento do compositor de conseguir um cargo no Estado, e a posterior homenagem com batismo paranaense, o motivo indelével da perpetuação de Maringá nos corações.

“Maringá, Maringá
Depois que tu partiste
Tudo aqui ficou tão triste
Que eu “garrei” a imaginar
Maringá, Maringá 
Para haver felicidade é preciso que a saudade
Vá bater noutro lugar…”

Minha casa (valsa, 1946) – Joubert de Carvalho
Joubert de Carvalho queixava-se que no final da vida suas canções haviam perdido espaço e não mais dedicavam a devida atenção ao seu trabalho. Inscreveu algumas músicas em festivais, mas poucas passaram pelo crivo dos avaliadores, ao que ele debochava executando as peças: “essa belezinha aqui ficou de fora ó, tadinha dela, tão pobrezinha…’. No entanto no ano de 1946 ele ainda era sucesso tanto de crítica quanto de público. Inspirada no desabafo de um milionário que reclamava por ter tudo em dinheiro e nada em carinho e proteção, Joubert de Carvalho compôs ‘Minha casa’, êxito imediato na gravação de Silvio Caldas, bisado com a mesma intensidade anos posteriores por intermédio de Agnaldo Timóteo. Na casa de Joubert de Carvalho, abundava talento e sensibilidade.

“Minha casa é uma riqueza
Pelas jóias que ela tem
Minha casa que tem tudo
Tanta coisa de valor
Minha casa não tem nada
Vivo só, não tenho amor” 

Lido na Rádio Itatiaia por Acir Antão dia 11/03/2012.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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