Entrevista: Renato Teixeira segue tocando em frente com sua viola

“Quem ornamenta o azul
das manhãs
são os sabiás.” Manoel de Barros

Numa noite de Natal, na madrugada de 25 de dezembro, o compositor Geraldo Roca (1954- 2015) atirou contra a própria cabeça e pôs fim a sua vida. Assim, ele escolheu a mesma data da morte do cineasta Charlie Chaplin para sair de cena. Naquele ano, Renato Teixeira, 73, e Almir Sater, 61, dupla responsável pela histórica “Tocando em Frente”, colocara em prática um sonho antigo. Depois de décadas, os dois finalmente gravaram um disco inteiro juntos. Em 2018, “AR” (que alude tanto às primeiras letras dos nomes de ambos quanto ao sentido de respirar) ganhou um segundo volume. Foi inevitável em “+ AR” homenagear Roca. Confira abaixo a entrevista completa de Renato Teixeira.

1 – Depois de anos de parceria e amizade, você e Almir Sater finalmente lançaram um primeiro disco juntos, em 2015. O que os estimulou a dar continuidade a esse projeto com o álbum “+ AR”, colocado neste ano de 2018 no mercado?
A continuação do projeto veio naturalmente, antes mesmo de lançarmos o primeiro disco nós sabíamos que o “AR” não havia acabado e iniciamos os trabalhos do segundo com o Eric Silver. A primeira música que finalizamos para o segundo volume foi “Venha Me Ver”, que originalmente fizemos para o volume um, mas tinha ficado de fora porque não deu tempo de finalizar devidamente.

2 – O que você destacaria como principal mudança e o que, em sua opinião, permanece e mantém o elo entre esses dois discos com o Almir Sater?
Mesmo com as décadas de parceria na música e na vida, nesses últimos anos nosso laço ficou ainda mais forte e isso teve uma grande influência em nosso trabalho, nós ficamos ainda mais próximos, até porque também rodamos o Brasil junto com o nosso irmão Sérgio Reis na turnê Tocando em Frente e a música tem sido muito generosa conosco. O que permanece e mantém o elo entre os dois volumes é que, mesmo com a evolução, a essência ainda é a mesma, ainda é Almir Sater e Renato Teixeira com o “AR”.

3 – Como é o processo de composição com o Almir, vocês tem algum método específico? Alguém sempre compõe a letra ou melodia? O que o inspira a compor?
Eu e o Almir criamos as músicas juntos, desde as letras até as melodias. É um processo de parceria mútua, de intimidade, mas o mais importante é que nós buscamos fazer músicas que não sejam simplesmente algo que as pessoas escutem e curtam, mas que também proporcionem tranquilidade. A vida inspira, e é sobre essa dádiva que as nossas músicas falam.

4 – De que maneira esse novo disco com o Almir se inscreve dentro da sua trajetória pessoal e na história da música brasileira, em sua opinião?
Dentro da minha trajetória pessoal é a continuação de um sonho, nós queríamos gravar um disco juntos há muito tempo e o “AR” foi a concretização disso, além disso nós fomos consagrados com um Grammy Latino e o Prêmio da Música Brasileira. Fazer o segundo volume é a felicidade pessoal de continuar algo tão rico e dar ao nosso público o melhor que a gente pode oferecer.

5 – Apesar de frequentemente associada ao universo caipira, você já definiu a sua música, mais de uma vez, como folk. Porque acha que esse equívoco acontece e o que há de comum e diferente entre esses dois universos?
Folk é uma palavra que é originária do folclore, então são músicas que tem um vínculo com a história cultural do povo que ela representa. A minha música e a do Almir não tem uma nomenclatura específica e única, na verdade. “Romaria” , por exemplo, é uma importante representante da cultura caipira.

6 – Qual a importância e contribuição do homem do campo para a história da música brasileira e porque ela faz tanto sucesso até hoje?
A vida no campo é um tema primordial para a cultura da música caipira, que contou tantas histórias maravilhosas com o passar dos tempos. O homem do campo está em “Romaria” e está também nos sucessos atuais da música caipira, histórias diferentes contadas de formas distintas. A música caipira não mudou, o que mudou foi a vida do homem no campo, e é por conta dessa reinvenção e modernização do estilo de vida que a música caipira e a vivência do homem do campo continua conversando com um grande público.

7 – O novo disco traz homenagem ao compositor Geraldo Roca, na música “Os Dias Passarão”. Como foi a sua convivência com ele e como surgiu essa música?
A sensação que a partida eterna do Geraldo Roca causou foi de uma perda irreparável, foi por isso que eu e o Almir fizemos “Assim os Dias Passarão”, uma das mais bonitas de nosso disco. A música fala sobre a vida, como a nossa passagem árdua por ela já é uma vitória em sim, então mesmo que o Geraldo tenha partido antes de sua consagração que ainda virá, nós deixamos essa homenagem.

8 – Já a “Flor do Vidigal” traz uma ambientação carioca, com ecos da Bossa Nova. O que o estimulou a compor essa ode, pode nos contar a história dessa música?
A “Flor do Vidigal” é uma linda jovem carioca que sempre morou no morro e sonhou com a cidade, desde os seus ancestrais africanos até a geração atual, uma atualidade na qual acontecem várias injustiças cometidas contra o povo do bem, que é silenciado e segue sonhando. A estética da cultura africana, as danças, os ritmos está há décadas nas encostas cariocas e a cena da nossa canção está sob esses valores, que enaltecem o caráter de um povo que veio ao Brasil a bordo dos navios negreiros, um dos episódios mais humilhantes da história humana. Onde quer que a flor do Vidigal vá, se ela descer do morro, o vento das eras a levará, com suas sandálias de nuvens, por entre as palmeiras imperiais da velha cidade onde sumirá em busca de seu destino no meio da noite e leva junto o meu olhar.

9 – Há pouco tempo você também gravou um disco com a Orquestra do Mato Grosso. Como foi essa experiência e o que as músicas erudita e popular tem em comum?
O “Terra dos Sonhos” foi uma experiência muito bacana, muita gente gostou do resultado e figuramos algumas listas de “melhores do ano”, mesmo o disco tendo sido publicado no final de novembro, o retorno positivo a essa releitura da minha carreira nos arranjos da orquestra do meu querido Mato Grosso foi uma grande vitória pessoal e profissional. A música erudita e a música popular se assemelham no ponto de que a linguagem musical é universal, este encontro que o Terra dos Sonhos proporcionou foi uma prova disto.

10 – Como tem se sentido em relação ao atual momento político do país? Isso te bate de alguma forma? Pensa em compor alguma música nesse sentido?
O atual momento político do país é confuso, conflitante, ele afeta a todos nós. Acredito que a minha música já faça o seu papel de se manifestar da maneira que é possível, toda música é uma auto-ajuda.

Raphael Vidigal

Fotos: Site Oficial/Divulgação.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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