Entrevista: O charme musical de Kícila Sá

“Pés, para quê os quero, se tenho asas para voar?” Frida Kahlo

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Se todo grande time começa com um bom goleiro, a busca de autenticidade começa pela assinatura, no que Kícila Sá não faz por menos. “Posso dizer que sou eu mesma. Quando escrevo, penso no que estou sentindo e como gostaria de me expressar. Pode ser algo do dia a dia, ou um ideal. Acredito que buscar a minha própria voz é uma auto-descoberta, pois a cada dia descubro que posso ser tantas e todas, mas que sou honesta quando sou eu mesma”, afirma. Cantora, atriz e compositora, a artista dispensa, por ora, a “dançarina”, apesar de se expressar no palco com desenvoltura e também posar para fotos com domínio de cena. Natural de Belo Horizonte, emerge no cenário independente da capital. Lançou o primeiro EP em 2012, e atualmente prepara tributo ao centenário de nascimento de Billie Holiday, ao lado de seis outras cantoras.

Esse e outros projetos fazem parte da agenda de Kícila Sá, que não dispensa o mistério. “Sem previsão de show no momento. Minha banda e eu vamos fazer uma imersão para trabalhar num projeto novo. É hora de parar de fazer show e focar. Quero lançar um disco em breve, mas ainda vou soltar na rede um clipe e um vídeo-poema. Estou gravando um curta-metragem com o diretor Ivo Costa que se chama ‘O Presente de Camila’, que deve sair no segundo semestre, e também fica pronto o longa-metragem ‘OTTO’, em que também participo como atriz. Tenho um show dia 28 de junho com o ‘Farside’, que é um projeto de música eletrônica, em que participo com o produtor Daniel Romano, o músico Gabriel Guedes e o baterista Rodrigo Carioca. Têm várias produções em andamento. Não vou contar tudo, pois muita coisa precisa ser finalizada”.

CURIOSIDADE
Para os mais curiosos, Kícila promete anunciar o resto em breve, via redes sociais. Basta ficar atento a seu Facebook e Tumblr, para não perder a remada. Para responder a questões sobre o clássico e o contemporâneo, Kícila lança mão de uma poesia, em que o talento brota espontaneamente. “…me chamou de antiquada e brega, depois me filmou em preto e branco…me deixou tão melancólica e piegas…chorei em prantos… ah! essa sua necessidade de ser moderno! como pode ser tão vintage…. me tratou de um jeito noir…viveu no passado e no futuro, no mesmo lugar, na linha do tempo de tudo, me chamou de moderna e futurista, depois me pintou de todas as cores, me deixou tão feliz e renovada….ri até a barriga doer…..ah! essa sua vontade de viver no passado! como pode ser tão contemporâneo……vamos ficar aqui onde tudo é tão presente e esse instante….pois o passado já passou e o futuro ainda não chegou….e eu ainda aqui estou….”, arremata.

Com uma carreira em que a diversidade bate na porta, em consonância com sua geração, a entrevistada desfia os finos veios do mel que oferece ao público. “Eu quero que minha música chegue aos corações dos ouvintes de uma maneira pura e sincera. Espero que realmente ela possa confortar as pessoas. Acredito que a música tem esse poder. Eu mesma, quando ouço uma música, dependendo de como ela for, sou levada a uma nova dimensão. Posso ficar triste, alegre, posso me sentir abraçada ou talvez revoltada com algo. Eu gosto disso. Acho que a música é uma linguagem muito espiritual e quase terapêutica. A Revolução será musical”, garante Kícila, sem dispensar as outras artes. “Hoje em dia posso dizer que uso muito do teatro no meu trabalho musical. Mas sou da geração apaixonados por cinema e audiovisual”.

IMAGEM
Com essa afirmação, Kícila aborda dois temas caros à atualidade. Interação e imagem. Se as possibilidades aparecem dispostas para as pessoas, elas chegam, principalmente, e em primeira instância, através da imagem. “Acho que a linguagem imagética exerce e sempre exerceu muito efeito sobre a humanidade. Uma estátua até um vídeo em movimento são ferramentas que criamos para contemplar o belo e fazer arte. Acho que o homem sem arte seria uma besta. Acredito na arte como elevação psíquica e espiritual”, reflete. Desta forma, o destino de Kícila fora “traçado na maternidade”, como canta Cazuza. “Lembro de ter uns sete anos de idade, eu cantava e dançava nas festas da escola. Todas as vezes que tinha algo de artístico na escola as pessoas se reuniam e estavam felizes, dançando e cantando. Acredito que cresci achando que unir as pessoas através da música era algo bom e acho que por isso acredito tanta na música como algo que une as pessoas”, declara.

Não bastasse isso, há ainda um aspecto que não escapa ao olhar atento de Kícila quando o assunto é a arte dos sons. “A música é otimista por mais que ela seja triste, ela expressa um tempo, uma época, um pensamento. É muito poderoso esse efeito dentro de alguém. A música humaniza”, afiança. Inserida no contexto cultural de Belo Horizonte, Kícila analisa o cenário que tem para trabalhar. “Acredito que esse é um momento de dificuldades, já que foram reduzidos 30% do orçamento segundo o Ministério da Cultura. Mas na verdade cultura no Brasil sempre foi um problema muito grande, pois se já era difícil ter apoio, com menos 30% parece mais difícil ainda, mas acredito também que temos que nos libertar dessas amarras econômicas e continuar fazendo, como vejo muito aqui em BH”, afirma esperançosa e convicta.

COLETIVO
Exemplos dessa superação e alternativas de criatividade não faltam. “Há muitos coletivos, bandas, artistas fazendo como podem o trabalho. E acho que isso tem que continuar. Mas acredito que é possível, sim, viver de música, digo pagar as contas. É só ter planejamento. Tudo tem gastos. Pra você sair de casa com seus instrumentos e ir até um lugar fazer um show pode saber que vão ter grandes gastos nos bastidores. Então, por que não pagar o artista como um profissional? Por que não valorizar o trabalho de um artista? Por que ainda há preconceito quando alguém diz que faz música?”, questiona. Esses preconceitos que convivem com a ousadia de quem não desiste de transformar a arte em ofício expressam a complexa relação entre opostos na sociedade da pós-modernidade.

Mas Kícila, com todo seu charme musical, não está disposta a decidir, ainda mais amparada pela literatura e arte de mulheres tão fortes quanto ela, e que a inspiram diariamente. “Tenho lido muita literatura escrita por mulheres. Fomos tão automatizados a cultuar só escritores homens e seu universo que posso dizer que agora com meus 27 anos realmente tenho lido com um outro olhar autoras como Clarice Lispector, Cecília Meireles, Simone De Beauvoir. De contemporâneo gosto muito da Fernanda Young. Nas artes plásticas Frida Kahlo é uma gênia. Os quadros dela me emocionam e sinto uma empatia tamanha”, assina Kícila Sá com luz própria e voz única.

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Raphael Vidigal

Fotos: Facebook.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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