Entrevista: Dissonâncias de Alaíde Costa

“Pela estrada da minha dissonância…” Fernando Pessoa

Alaide-Costa

Alaíde canta Alaíde, como conclui o nome de seu novo álbum, a ser lançado ainda em 2014. Não mais Vinicius, Tom, Vandré e Alf, músicos e amigos conhecidos assim por íntimos. Engano. A cantora carioca que hoje vive em São Paulo continua dando uma volta tão grande nas evidências que é capaz de lançar um álbum autoral onde é parceira de todos esses baluartes do nosso cancioneiro. E mais, é ela a autora das melodias, isso quando não compõe música e letra. “Há ainda parceiros menos conhecidos, como o Paulo Alberto Ventura em ‘Tempo Calado’, o José Márcio Pereira e o Geraldo Julião, são ao todo cerca de doze faixas”, revela. A produção é do pesquisador Thiago Marques Luiz, que lança o trabalho por seu selo, o “Nova Estação”.

Com recente passagem por Belo Horizonte, onde se apresentou no projeto “Salve Rainhas”, na FUNARTE, Alaíde aproveita para emendar mais um acontecimento. “Gravei um CD todinho com Toninho Horta, está pronto para sair, acredito que ainda este ano”. No referido show, a cantora emocionou a plateia ao entoar, no bis, à capela, a “Bachiana nº 5”, de Villa-Lobos. “Cantei com o coração”, atesta com a palavra final que dá nome a um dos mais emblemáticos discos da carreira, cuja canção nasceu da parceria entre o carioca Ronaldo Bastos e o mineiro Nelson Ângelo, mesma mistura que promete dar certo entre a intérprete e o violonista identificado com o Clube da Esquina. As duas novidades devem elevar a 15 a discografia autoral de Alaíde.

PERCALÇOS
Não poderia ser diferente. Alguns percalços atravessaram o caminho de Alaíde Costa. No momento uma fratura no joelho a impede de caminhar. Mas já estão confirmados para este mês de fevereiro shows no interior de São Paulo em homenagem ao centenário de Vinicius de Moraes, completado em 2013 e cuja celebração se estende com justiça. Afinal nada lhe é impossível de superar. “Mudou tudo, para quem começa na música hoje é muito mais fácil”, afirma para em seguida rememorar: “Na minha época era uma dureza só, fiquei cinco anos ganhando prêmios em programas de calouros até ter uma chance”. O convite para ser crooner da Orquestra Dancing Avenida, no Rio de Janeiro, abriu as portas.

“A partir daí tive a oportunidade de gravar o meu primeiro disco de 78 rotações, na Odeon, com uma música belíssima, ‘Tarde Demais’, de autores desconhecidos”, relembra. Descobriu-se depois que os autores são Hélio Costa e Raul Sampaio, que compôs o sucesso “Meu Pequeno Cachoeiro”, gravado por Roberto Carlos, e participou da segunda formação do ‘Trio de Ouro’, ao lado Herivelto Martins e Lourdinha Bittencourt. Na verdade, a cantora já havia estreado em disco com dois sambas-canções, “Nosso Dilema”, de Hélio Costa e Anita Andrade, e “Tens Que Pagar”, da própria Alaíde Costa e Airton Amorim. Mas o sucesso veio realmente com “Tarde Demais”. O ano era 1957, e o burburinho de uma bossa nova aos poucos chegava até Alaíde, que desde o princípio ansiava algo diferente. “É complicado, não sou muito chegada a coisas simples. Quer dizer, têm simples legais, e tem simples que são só simples. Gosto muito das dissonâncias”, sublinha. Foi quando, em 1959, João Gilberto a intimou para conhecer o pessoal da bossa nova.

DIFERENTE
“Ele achava que eu tinha tudo a ver com os meninos que estavam fazendo uma música diferente”, refere-se a João Gilberto, e faz questão de ressaltar que estas foram as exatas palavras dele. “Peguei a bossa começando a caminhar, participei do comecinho, com espetáculos em colégios, faculdades, foi tudo muito bonito”, garante Alaíde. Outro momento de beleza na vida foi quando Milton Nascimento a convidou para participar do disco “Clube da Esquina”, em 1972, na faixa que se tornou célebre, “Me Deixa em Paz”, de autoria de Monsueto e Ayrton Amorim. “Estava há tempos sem gravar, Milton me trouxe de volta”.

Além de reconhecimento profissional e artístico a música parece ter trazido para Alaíde, principalmente, amigos. “Bem no meu comecinho ainda eu estudava piano, mas não tinha piano em casa, então passei a estudar no piano do Vinicius de Moraes, que me ouviu um dia cantando na Rádio Nacional e quis me conhecer, então pediu ao Baden Powell, que eu já conhecia, para nos apresentar”, recorda. O primeiro encontro aconteceu numa das numerosas e famosas reuniões na casa que ficava literalmente aberta do Poetinha. “Ficamos muito amigos, Vinicius sempre foi uma pessoa muito generosa”, destaca. Prova disso foi o inusitado presente que Alaíde recebeu com carinho e surpresa um tempo depois.

PRESENTE
“Estava sempre no piano do Vinicius cantarolando melodias que me vinham à cabeça, e ele um dia gravou duas dessas canções”, conta. Alaíde só ficou sabendo dessa história quando o autor de clássicos da poesia e da canção brasileira disse ter comprado um presentinho que guardou na gaveta. “E eu abri a gaveta e não vi presentinho nenhum, procurei e não encontrei nenhum embrulho de presente, nenhum pacote”, confessa a intérprete que mesmo com tanto tempo de convivência ainda não decifrara por completo a astúcia do amigo. “Então ele me disse para procurar direito, que o presente eram duas folhas de papel dobradas, duas letras. Ganhei o melhor presente”, orgulha-se.

As duas letras de Vinicius para melodias de Alaíde estarão no disco novo, com títulos que dizem muito sobre os dois, “Amigo amado” e “Tudo o que é meu”, compartilhando poesia e música. Do outro amigo que é parceiro no disco, Geraldo Vandré, Alaíde lembra a época em que se conheceram, num dos tão frequentes programas de calouros. “Ele ainda se apresentava sob o pseudônimo de Carlos Dias”, entrega. Contrariando as notícias de um afastamento total do compositor, Alaíde diz que se fala muito com o amigo. “Não me encontro com Vandré há uns 2, 3 anos, mas sempre nos telefonamos”, confirma. Assim como de Vinicius, Alaíde guarda por Tom Jobim e Johnny Alf: “Imensa saudade”.

FELICIDADE
Com uma única, simples e elegante palavra Alaíde Costa resume o ato de compor uma música: “Felicidade”. Dentro do estilo que ajudou a criar, tece considerações perspicazes. “A bossa nova abriu muitos caminhos, permitiu aos compositores seguirem uma linha diversa da que existia até metade da década de 50, por aí. Não tem mais aquela. Abriu o horizonte. Surgiram vários compositores, mesmo fora da bossa nova, mas fazendo coisas maravilhosas, sem aquela preocupação do que vinha antes”, sugere. Com mesma humildade, dos sábios, prefere desta vez o silêncio. “Não sei responder essa pergunta, do papel da música na sociedade brasileira? Uns gostam de Milton, da bossa nova, outros não”, encerra.

Mas pode ser que surja por aí uma surpresa, um presentinho na gaveta, como na vida da menina Alaíde, que ouvia rádio e “nada me agradava, não gostava de nada, até o Silvio Caldas aparecer cantando ‘Noturno em Tempo de Samba’, de Custódio Mesquita e Evaldo Rui, uma música belíssima, moderníssima”, frisa. E antes que se esqueça pede para adicionar um dado importante à entrevista: “A produção do disco com o Toninho Horta é do Geraldo Rocha, mineiro, muito competente e boa pessoa, que aliás está sempre com o pessoal do Clube da Esquina ali no bairro Santa Tereza”. Dissonâncias de Alaíde Costa, tão bem carioca quanto poderia ser mineira, paulista, tropicália ou bossa nova: música.

DISCOGRAFIA
1959 – Gosto de você
1960 – Alaíde canta suavemente
1961 – Joia Moderna
1963 – Afinal…
1965 – Alaíde Costa
1973 – Alaíde Costa e Oscar Castro Neves
1975 – Alaíde Costa
1976 – Coração
1982 – Águas Vivas, Alaíde Costa canta Hermínio Bello de Carvalho
1988 – Amiga de verdade
1995 – Alaíde Costa & João Carlos Assis Brasil
2000 – Falando de amor
2005 – Tudo que o tempo me deixou
2014 – Alaíde canta Alaíde (previsto)
2014 – Alaíde Costa & Toninho Horta (previsto)

Alaide-Costa-entrevista

Raphael Vidigal

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12 Comentários

  • Não compartilho da opinião, mas achei sensacional: “É complicado, não sou muito chegada a coisas simples. Quer dizer, têm simples legais, e tem simples que são só simples. Gosto muito das dissonâncias”

    Adorei os caminhos da entrevista e as questões levantadas para se conhecer mais a história da Alaíde e do novo disco. Uma delícia de leitura, que desperta o interesse para outros artistas e músicas.

    Resposta
  • Tive o privilégio de dividir o palco com essa diva em um tributo prestado a ela no SESC Pompéia! Talentosa , delicada e memória viva da música popular brasileira! S2

    Resposta
  • Muito bom, Raphael! Parabéns a Alaíde Costa, sem dúvida, é uma das mais importantes cantoras desse nosso país de tão linda Música! Abraço forte!

    Resposta
  • …SENSACIONAL valorizar e não esquecer pessoas importantes para o mundo…Amei o presente!…

    Resposta

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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