Entrevista: Claudette Soares, uma cantora LADO A

“Quando ia passear contigo ao campo,
Tu ias sempre a rir e a cantar;
E lembra-me até uma cotovia
Que um dia se calou pra te escutar” Florbela Espanca

Claudette-Soares

Com produção de Nana, texto de contracapa de Dori e participação de Danilo, a cantora Claudette Soares lança em março a sua homenagem ao centenário do pai da família Caymmi, Dorival. Não bastasse isso, Giba Esteves, companheiro dos três últimos álbuns, assina os arranjos. O disco sairá pelo selo “Pôr do Som”. Sem dar bola à modéstia, a entrevistada se gaba do novo trabalho. “Vai ficar um disco lindo! É um orgulho receber a bênção da família Caymmi. É a primeira vez que o Dori escreve uma contracapa, e o Danilo ainda canta comigo! A resposta da Nana foi a mais genial, ela me disse, ‘Claudette você vai fazer jobiniano, vai deixar chique, a tua leitura é chique e diferente’”, afirma a intérprete para depois acentuar: “É uma responsabilidade muito grande, mas também um desafio delicioso, eu adoro buscar esses caminhos”.

Apesar da indisfarçável alegria, a cantora afirma ser este “um ano complicado” para investir em cultura, já que “todas as atenções estarão voltadas para a Copa do Mundo no Brasil”. Outro fator de desânimo é com algumas características dos tempos atuais. “Hoje, infelizmente, nos dizem que é importante um CD pequeno, por que aí a pessoa escuta mais rápido, a coisa tá assim, né? Então são só doze faixas. Eu, por mim, gravava muito mais, principalmente quando se fala de Dorival Caymmi”, sublinha. Com um currículo de colocar inveja a muito medalhão da música brasileira, a cantora contabiliza uma discografia de 20 títulos em 50 anos de carreira, além de honrarias impossíveis de se medirem matematicamente. “Tive muita sorte de conhecer e me apresentar com o Dick Farney, o Gonzaguinha, a Clara Nunes”, enumera.

BAIÃO
Quando surgiu da altura de seus 1,54 m, a menina Claudette Soares, aos 10 anos de idade, logo chamou a atenção de Deus e o mundo, inclusive do Rei do Baião. Luiz Gonzaga, na época, encantado, a denominou “Princesinha do Baião”. “Pois ele dizia que eu não tinha altura para ser a rainha, que já era a maravilhosa Carmélia Alves”, rememora. Muita coisa mudou de lá para cá, mas algumas permanecem as mesmas, o tamanho, por exemplo. “Hoje eu entendo porque chamei tanta atenção, eu já era moderna sem saber. É por isso que as pessoas sempre se lembram desse título que recebi, e do qual tenho muito orgulho. Mas eu já cantava um baião diferente, com piano, balanço, carioca, da gema, como sou, essa baixinha que sobe no salto, ‘metidinha a besta’, assim dizia o Luiz Gonzaga, e cheia de muita história bonita para contar”, define.

Ainda sobre o tema, Claudette lembra-se de outros laços musicais e afetivos que estabeleceu através do gênero. “Hoje o baião é moda, todo mundo canta e reverencia a obra do Luiz Gonzaga, que tinha uma musicalidade maravilhosa, não é para qualquer um, e abriu caminhos para a Marinês, o Sivuca, com quem toquei uma época, e tantos outros”, atesta. Mas também com o filho de vossa majestade alguns olhares foram turvos. “Na época ninguém queria gravar o Gonzaguinha, justamente porque era o filho do Rei do Baião, olha que coisa besta, desinformada, preconceito bobo, pois eu o lancei em 1969, e foi o maior sucesso, claro, pela qualidade da sua música”, destaca. Dali para a bossa nova, Claudette, sempre no salto, deu um elegante pulo, e ajudou a trazer ar fresco e descortinar as fechadas janelas de segmentos da música nacional.

BOSSA NOVA
Outra novidade sai da manga de Claudette Soares, como quem não quer nada, ela avisa: “Até o final de março eu devo ir ao Japão, porque um produtor de lá está lançando uma caixa com sete álbuns da minha carreira, o Thiago Marques Luiz (pesquisador musical) me ligou parabenizando e eu disse, ‘meu bem, eu sou bossa nova, isso é muito natural’”, declara aos risos. A escolha em se embrenhar no estilo a partir da década de 60 teve lá seus motivos. “Nunca fui uma cantora de sucesso imediato, mas sempre quis ter uma carreira longa, e sabia que a bossa nova ficaria”. Ainda assim, nem sempre no Brasil essa premissa parece verdadeira. “O Rodrigo Faour (jornalista) tentou fazer uma caixa desse tipo para mim aqui, mas a gravadora não quis, preferiram um CD duplo, mas eu estou no lucro, todos os meus discos saem no exterior”, avalia.

Por outro lado, a cantora agradece a iniciativa da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo de lançar, através da coleção Aplauso, a biografia “A bossa sexy e romântica de Claudette Soares”, também da autoria de Rodrigo Faour, e se envaidece ao falar do DVD que gravou, no ano passado, acompanhada com a Orquestra Tom Jobim. “Sou muito grata a esta cidade. Quem teve a ideia de me trazer para cá foi o Ronaldo Bôscoli, ele me disse que eu seria a musa da bossa nova de São Paulo, que ainda tinha uma lacuna a ser preenchida, e foi dito e feito”, graceja. Sobre o primeiro registro audiovisual da longa carreira, a intérprete considera: “Foi um presente aos 60 anos da bossa e aos meus 50 de carreira, um privilégio muito grande, pois na minha época era comum cantar com orquestra, e o fiz muito, mas hoje, infelizmente, não é mais”, lamenta.

INFLUÊNCIAS
Ao abrir o leque de influências, Claudette anuncia as rainhas do jazz Sarah Vaughan, Ella Fitzgerald, e claro, Frank Sinatra. “Meu pai comprava os discos importados todos para mim quando criança, eu lhe atormentava a paciência”. Vem daí, talvez, o gosto pela elegância. “Sempre achei o glamour, na música, indispensável. É respeito ao público, que paga para ver o artista iluminado, bonito, vistoso. Continuou muito vaidosa, sempre de vestido longo e salto alto, está no meu DNA”, deduz. Tese que ganha enredo com os relatos da infância. “Quando via a Elizeth Cardoso, Maysa, Dalva de Oliveira, Nora Ney na Rádio Nacional eu dizia para mamãe, ‘quero ser isso’, ficava enlouquecida, me identifique na hora, e depois veio a Sylvinha Telles, Nara Leão, Tom Jobim, o piano, a forma de se portar, toda a bossa nova muito elegante”, afiança.

Com passagem recente por Belo Horizonte, no projeto “Salve Rainhas”, a cantora, que promete trazer o novo projeto de Caymmi para a capital em breve, afirma ter sido uma experiência maravilhosa devido à “generosidade da plateia e da imprensa mineira com a minha pessoa”, e confirma que não foi possível tirar do roteiro os grandes sucessos da sua trajetória. “Graças a Deus tenho músicas que o pessoal nunca se esquece, sempre pede, como o ‘De Tanto Amor’, de Roberto e Erasmo Carlos, Gonzaguinha, Taiguara, esse miolo é essencial, tem que ter sempre!”, anima-se. Para se referir à relação com o palco a definição vem de outra cantora admirada. “A Elis dizia sempre, ‘palco é igual cama, a gente só divide com quem ama’, e é a mais pura verdade. Tive a felicidade de dividir o palco com grandes músicos toda vida”, relata.

COMPANHIAS
“Como uma menina maluca de cinco anos de idade”, são essas as palavras que Claudette Soares escolhe para pintar o quadro de quando se encontra em estúdio ou no palco. “É a coisa que me enlouquece mais”, resume. Tudo isto tem dois motivos claros. “Primeiro que é um trabalho de criação, ou seja, traz sempre o novo, o inesperado, fico muito feliz, segundo que as companhias são sempre as melhores, tenho essa sorte”, e lista os pianistas “Leandro Braga, João Donato, César Camargo Mariano, que tive a honra de lançar, Antônio Adolfo”. E não economiza na hora de expressar a importância desses ilustres acompanhantes no baile da canção. “O músico que te embeleza, eu, nesse processo todo, sou 20%, tenho consciência”, assume para na sequência estender os braços a outro colega de voz: “Conhecer Taiguara foi maravilhoso”.

O encontro com o compositor e cantor de origem Uruguai aconteceu na década de 60. “Foi durante o espetáculo que ele apresentava, o ‘Receita para Vinicius de Moraes’, ele tinha uma coisa de ator, performática, e aí um dia o Miele e o Ronaldo Bôscoli foram ver, de tanta insistência minha, e ficaram encantados, como eu já esperava”, admite. Com a ponte feita os dois criaram o show “Primeiro Tempo 5×0”, ao lado do Jongo Trio, que depois virou um disco, celebradíssimo, lançado em 1966. “Adoro dividir palco, nunca tive problema com ninguém, foi uma parceria divina”, afirma Claudette, que relembra as primeiras músicas compostas por Taiguara para ela: “‘Hoje’, ‘Coisas’ e ‘Estrada Estreita’, só clássicos lindíssimos”, orgulha-se. Sobre a própria ausência atual na televisão, explica: “Hoje são poucos programas dedicados à nossa música”.

HOJE
Com importante participação em três momentos distintos da música nacional, o surgimento do baião, o auge da bossa nova e a era dos festivais, a cantora analisa o presente cenário. “Hoje a música foi para outro caminho, não é mais prioridade da TV, dos meios de comunicação lançar artistas que tenham algo a dizer além do óbvio. Antigamente o Sérgio Mendes, o Luiz Eça e o Johnny Alf tocavam na noite, todo mundo se encontrava. Essa geração não tem essa coisa do aprendizado, dessa musicalidade e liberdade de harmonia. Eu sinto falta, o cenário mudou muito”, enxerga. Apesar disso, a entrevistada faz ressalvas com relação ao próprio olhar. “Dizem que tem uma garotada fazendo uma coisa diferente, boa, a mim não chega, se a pessoa quiser que eu saiba tem que vir até mim para mostrar, o Jorge Vercillo é um que é do meu gosto”.

Para não parar por aí, Claudette tece louvas a outros músicos. “Adoro as canções do Ivan Lins, do Djavan, são os filhos da bossa nova. As coisas, hoje, nesse sentido, parecem não estar muito esclarecidas, está tudo meio misturado, diluído, fica difícil pescar o que é bom”, ressalta. “Imagina se eu lançar um CD só com inéditas, onde vou divulgar? Não tem televisão, não tem rádio, não adianta fazer. E comigo não cola essa. Quero ser ouvida. É como eu sempre digo, sou cantora lado A. O aplauso não para, não é maravilhoso?” questiona entre algumas risadas. Intérprete tarimbada, Claudette explica porque não se arrisca a escrever as próprias músicas. “Imagina compor depois de Dolores Duran, Maysa, Fátima Guedes, Sueli Costa? Não tenho esse talento, nem toco instrumento, prefiro cantar essas maravilhosas canções”.

REBELDIA
A comparação escolhida revela o alto grau de intensidade do casamento de Claudette Soares com a música. “Sabe quando você olha pruma pessoa e bate aquele tremor?”, é assim que a intérprete seleciona o repertório. “Você quando ouve sabe, é assim comigo, foi assim com a Elis Regina, é assim com Maria Bethânia e todas as grandes cantoras”, diz. “É maravilhoso quando o compositor fala que tal música é a sua cara, é gratificante ao extremo”, exalta. Com o início e a fama precoce, Claudette salienta que não sabe fazer outra coisa. “Nunca trabalhei em mais nada, sempre vivi da minha voz, cantei minha vida inteira, quando foi pra entrar na faculdade disse ‘não’ com a minha mãe, que só iria cantar, e deu certo, não me arrependo de nada!”, afiança. Nem de eventuais rebeldias: “Gravei pouco, não aceitei imposição de gravadora”.

A “pequena discografia comparada ao tempo de carreira”, tem seus porquês. “As gravadoras grandes sempre foram aquilo que todo mundo sabe, nas independentes ninguém mexe na tua obra. Paguei o preço de ser seletiva. Queriam na época que eu cantasse o que estava na moda, como rock, que é sensacional, mas é como se hoje eu cantasse funk, axé, tudo bem, né? Mas eu cantando todo mundo vai rir da minha cara, não bate, não tem identificação”, infere. O caso contrário aconteceu justamente com o maior standard de Claudette Soares. “A gravadora não queria e uma turma da bossa nova fechou a cara quando gravei ‘De Tanto Amor’, fiquei tão preocupada que até hoje durmo na pia”, ironiza. “Nunca tive preconceito com a Jovem Guarda, se a música é bonita, eu gravo, ainda dei o nome da música, antes era ‘Despedida’”.

DESAFORADA
A ideia de mexer no título da música foi, mais uma vez, sentimental. “Na época estava apaixonada pelo menino com quem vim a me casar, e achava ‘De Tanto Amor’, mais bonito, mas fui casada só uma vez, viu? Hoje sou a divorciada mais feliz do mundo!”, diverte-se. A ousadia, sem a perspectiva histórica pode parecer pouca coisa, mas a cantora faz questão de salientar. “Na época o Roberto Carlos ainda não era o Rei, foi um escândalo, tanto maior porque fiquei seis meses apresentando-a no teatro com sucesso absoluto”, esclarece. Êxito somente comparável a álbum elementar da discografia de Claudette Soares, de 1969, cujo nome nasceu de sua acesa personalidade. “Esse disco vendeu muito, teve uma tiragem enorme, tudo começou com um comentário brincalhão da minha amiga Clara Nunes, que eu devolvi na hora”, recorda.

As duas se apresentavam no programa “Esta Noite Se Improvisa”, comandado pelo casal Blota Júnior e Sônia Ribeiro, quando Clara, por provocação, disse, “nossa, mas esse microfone está muito baixinho”. “Ela sempre foi alta e belíssima, né? E éramos muito amigas. Ah, mas eu não tive dúvidas, na hora exata saquei da minha cartola e disse pra ela bem assim, com a mão na cintura, toda desaforada, ‘meu bem, quem não é a maior tem que ser a melhor!’, e caímos as duas na gargalhada!”, ou melhor, os três, como Claudette se lembra a tempo: “Nesse dia também estava o nosso querido Gonzaguinha, que saudade, é como ele sempre dizia com aquele sorriso de lado, aquela voz de deboche, ‘não se fazem mais estrelas como antigamente!’”, e desliga o telefone com outra deliciosa risada. Claudette Soares, uma cantora lado A.

DISCOGRAFIA
1964 – Claudette é Dona da Bossa
1965 – Claudette Soares
1966 – Primeiro Tempo 5×0 (com Taiguara e Jongo Trio)
1967 – Claudette Soares
1968 – Gil, Chico e Veloso por Claudette
1969 – Claudette Soares
1969 – Feitinha pro Sucesso ou Quem Não é a Maior Tem Que Ser a Melhor
1970 – Claudette nº 3
1971 – De Tanto Amor
1974 – Você
1975 – Corpo e Alma
1976 – Tudo Isto é Amor (com Dick Farney)
1976 – Fiz do Amor meu Canto
1978 – Tudo Isto é Amor (volume 2)
1995 – Vida Real
2000 – Claudette Soares Ao Vivo
2002 – Claudette Soares & Leandro Braga
2006 – A Bossa Sexy de Claudette Soares
2007 – Foi a Noite, canções de Tom Jobim
2011 – A Dona da Bossa Ao Vivo
2014 – Claudette Soares & Orquestra Tom Jobim (previsto)
2014 – Claudette Soares canta Dorival Caymmi (previsto)

Claudette-Soares-entrevista

Raphael Vidigal

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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