Crítica: “Whiplash – Em Busca da Perfeição” revela poder de destruição do trabalho

*por Raphael Vidigal

“Não tenha medo de erros. O erro não existe.” Miles Davis

Embora tenha essa ambição, a arte não necessariamente melhora o mundo e a vida das pessoas. É esta a tese do diretor e roteirista de “Whiplash – Em Busca da Perfeição”. Ao retratar o poder de destruição, ganância, inveja, dor, ciúme, vaidade, indiferença, egoísmo, intolerância, sordidez, mágoa e outros adjetivos pouco simpáticos, Damien Chazelle inverte as imagens usualmente atribuídas à prática artística. À medida que o protagonista vivido por Miles Teller cresce no ofício, pior se torna como ser humano. Ambos, intérprete e personagem, se entregam a tal ponto a uma pretensa luz que acabam, como na lenda de Ícaro, queimados pelo sol.

J. K. Simmons, vencedor do Oscar de melhor ator coadjuvante, é o grande atrativo da produção. Ele encarna com complexidade um carrasco cuja função é justamente incentivar e expor a face maníaca de seu pupilo, para retirar às entranhas uma excelência no fazer, na produção, na obra a ser legada, no gênio. Crítica que atende ao modelo de concepção educacional tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, onde busca-se a fortuna e o sucesso individualista, o tal plano de carreira, antes de qualquer preocupação cidadã. Portanto essa relação com o trabalho é também questionada, assim como a coqueluche da vaidade artística: a de que a obra é eterna, logo mais valiosa que a vida humana.

A arte apresentada no filme, contudo, risca do mapa sentimentos congregadores. É a da superação dos limites físicos, da competitividade, da praticidade, da repetição, do sacrifício, da transpiração, do individualismo. Ao eliminar características como irreverência, prazer, inspiração, criatividade, intuição, insubordinação, liberdade, encontro, ócio, banzo, descontração, generosidade, troca, esta aproxima-se da esfera esportiva e acolhe o lado sombrio de seu disfarce. Vale a pena lembrar nomes da música instrumental para quem esses atributos são indispensáveis, como Hermeto Pascoal, Jards Macalé e Rogério Duprat, para ficar só no terreiro tupiniquim.

Até porque no exercício de modalidades também existe espaço para a dimensão do talento, do improviso, do que não está nas partituras. E, é claro, de uma ética de acolhimento, de construção. O diretor norte-americano apresenta um panorama efetivo do assunto, e não é óbvio em seu veredito. Todas as vezes em que abandona o conservadorismo os movimentos de câmera concedem ao fôlego a falta. A música, principal fio-condutor, eleva as tensões e as personagens nunca passam de meras aparências; em poucos minutos revelam seus interiores. Com exceção do cruel professor, um ser concentrado no ego, para quem a humanidade pouco importa.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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