Crítica: Filme ‘Marighella’ se equilibra entre méritos artísticos e políticos

*por Raphael Vidigal

“Até logo, até logo, companheiro,
Guardo-te no meu peito e te asseguro:
O nosso afastamento passageiro
É sinal de um encontro no futuro.
(…) Se morrer, nesta vida, não é novo,
Tampouco há novidade em estar vivo.” Maiakovski

Do ponto de vista político, o filme “Marighella” é irrepreensível. Ao promover o resgate de uma das figuras que mais atormentou o regime militar, Wagner Moura fala diretamente para uma plateia ávida em conhecer a sua história. Preto, baiano, comunista e revolucionário, é a partir desse conjunto de características que Seu Jorge dará forma ao protagonista. Logo se percebe que Marighella possuía todas as qualidades para ser perseguido, tanto ontem quanto hoje. Ao que se acrescenta mais um ingrediente fundamental no papel desempenhado no filme: o de pai. Essa relação vai construir a narrativa central.

Contar uma história é escolher um lado, e, assim como José Padilha escolheu o dos policiais em “Tropa de Elite”, aqui Wagner Moura – em sua estreia na direção – opta pelo dos guerrilheiros. É o ponto de vista deles que guia o espectador. Segundo a história oficial contada pela ditadura e omitida nos anos seguintes ao fim do regime, Carlos Marighella foi um terrorista, o que abre espaço para uma contumaz ironia do diretor, que utiliza bem o recurso do close neste e em outro momento, mais ao final do filme. Assassinado em 1969, aos 57 anos, ele foi o principal líder da Ação Libertadora Nacional, que pegou em armas para combater a ditadura, o que acarretou sua expulsão do Partido Comunista, que depois seria colocado na ilegalidade sob a ordem dos militares.

A resistência armada ao regime ditatorial tinha como principal influência a revolução cubana. Diante de um Estado criminoso, combate-lo é legítima defesa e dever de todos, é o que constata Marighella, ciente dos perigos que corre. Nessa luta, ele envolve estudantes, padres dominicanos e jornalistas que anseiam pela liberdade. O longa-metragem de 2h40 tem o mérito de conseguir imergir o espectador em uma história que muitos já sabem como termina, a partir de recursos de câmera que funcionam, com variações de aproximação e distanciamento, mas, sobretudo, pelo roteiro, que investe em um suspense bem estruturado, mantendo certa tensão no ar a partir de alterações temporais.

No conjunto da obra, a reação dramática das duas mulheres de Marighella logo após a sua morte é um pecado quase imperceptível. As atuações do elenco são, em geral, bastante convincentes. Já as cenas de tortura tratam de indignar todos que ainda não compreendem a pachorra dos que elegeram um sujeito abertamente a favor da tortura, condenado por apologia ao estupro, ao cargo mais alto da nação. Paralelos entre aqueles tempos sombrios e os de agora são lançados na tela. O heroísmo de Marighella não é asséptico nem infalível, antes tem a ver com sacrifícios. Os versos de Gonzaguinha que ecoam ao final resumem a sua ideologia: “O grito da batalha/ Quem espera nunca alcança…”.

Foto: Reprodução/Divulgação.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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