Crítica: “Fauna”, do grupo Quatroloscinco, extingue limites pela força da experiência

“Será um gato um tigre mínimo de salão?” Pablo Neruda

Fauna tem atuação de Assis Benevenuto e Marcos Coletta

Todos os elementos caros à cena contemporânea estão presentes em “Fauna”, peça que comemora os 10 anos de atuação do grupo “Quatroloscinco”. É esse um espetáculo moderno, na acepção da palavra, que busca apreender o instante e se abre para o inevitável momento presente. Com pleno domínio e consciência cênica Assis Benevenuto e Marcos Coletta materializam noções como as de performance, improviso e fragmentação que resultam, primeiramente, na extinção de limites inerentes a um certo tipo de teatro, e que recolocam a atividade frente à sua origem: buscar, questionar, investigar e isto requer mais ouvir as respostas do que apresentá-las. Logo, nesta montagem, ninguém está eximido do risco e do desconhecido, nem personagens, que se confundem com os atores, nem o público, que recebe a oportunidade de atuar. Mas não nos enganemos, toda visão de futuro verga o olhar para o começo, e essa consciência, aqui, se faz presente. É possível dizer que Bertolt Brecht e Luigi Pirandello dão suas bênçãos. É o teatro, teatro; que, por isso, mais vida é. E por ser inventada aqui se concebe a partir de uma almejada horizontalidade. Em alguma medida o ciclo que se repete nunca é o mesmo; o novo logo será velho, o velho para sempre existe: como memória, reminiscência ou atavismo. Parábola em que está contido todo o frescor do rio e o convite à transformação.

O texto, mínimo, que serve somente de esteio para a dupla, é preciso e consistente, tal como a direção inventiva de Italo Laureano, com a assistência de Rejane Faria. Outros artefatos cênicos corroboram para ampliar essa potência contida na força da experiência, que abre mão de contar uma história para que ela aconteça e possa emergir frente aos sentidos como um bebê nascendo. Figurino, cenografia, iluminação e, fundamentalmente, a trilha sonora, afetam os movimentos como se imprescindíveis a eles. Sobretudo, encontra-se uma maneira de ampliar as possibilidades que está fundamentada em valores, por isso a ousadia não se torna mera acrobacia dramática, mas, a partir dessa liberdade instaurada conceitua, por exemplo, questões de gênero, identidade, perspectiva e tudo o quanto seja político para o indivíduo, na esfera coletiva ou particular, pois o gesto de aproximação revela o todo a partir de um. Ou dos uns. A narração em off, ainda que busque extinguir a palavra por seu excesso e sua repetição, comete o pecado de denotar-se didática, tudo o que não há em “Fauna”. Importante notar a tendência do improviso, independente do sujeito que o enuncia, a uma conotação cômica, como se a coloquialidade fosse mais afeita a esse tom, ou que, talvez, seja esta uma escapatória social. Mas “Fauna” suscita muito mais do que um gênero cênico, é o gênero humano.

Ficha técnica
Dramaturgia de Assis Benevenuto e Marcos Coletta.
Direção de Italo Laureano com assistência de Rejane Faria.
Com Assis Benevenuto e Marcos Coletta.
Iluminação: Rodrigo Marçal/Cenografia: Eduardo Andrade/Trilha Sonora Original: Barulhista/Figurino: O grupo/Orientação vocal: Ana Hadad/Orientação corporal: Rosa Antuña/Provocação criativa: Alexandre Dal Farra/Produção: Maria Mourão.

*Espetáculo presente à programação do Verão Arte Contemporânea 2017

Fauna é dirigida por Italo Laureano com assistência de Rejane Faria

Raphael Vidigal

Fotos: Guto Muniz.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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