Crítica: Espetáculo “O Deszerto” manifesta ânsia de liberdade

“não insisto na memória
das coisas obsoletas
as cartas os namorados os poemas que escrevo
são filhos bastardos
sem colo
sem tetas” Bruna Kalil Othero

Nova montagem da companhia Mulheres Míticas mantém princípios do grupo

O rigor e a acuidade plástica não estão ali por acaso. “O Deszerto” é espetáculo que se sustenta em fortes bases estéticas, estruturando sua cenografia a partir de uma noção simbólica muito definida. Há consciência acima de tudo. Para chegar aonde pretende a montagem é habilidosa e inventiva ao combinar recursos caros à cena contemporânea. Mantém-se a concepção de que tudo não passa de teatro já no cenário, na minúcia dos figurinos, na presença da iluminação e outros objetos de cena, tais como microfones, rocas de fiar, reproduções no telão, a música e mais tantos detalhes, ao mesmo tempo em que a palavra e a movimentação das personagens procuram eclodir no espectador alguma constatação palpável e imediata. Essa transição é feita de maneira especialmente bem conduzida e desafiadora, propondo que o jogo se estenda até a realidade, com uma direção que, além de não se acomodar, encontra soluções pertinentes àqueles casos. O clamor que se vê no palco toma por medida a transformação compartilhada.

Ao adotar uma dicção francamente naturalista incorre-se no risco de que a interpretação soe, por vezes, pueril, esmaecendo a agudez do texto. Com isso, em determinadas passagens, o que é dito descola-se do impacto provocado pela manipulação dos elementos cênicos. A peça possui camadas e exige tempo próprio para maturação. À medida que a narrativa avança a simbologia toma contornos mais incisivos, sem jamais incorrer na tentação didática ou panfletária, embora mantenha certa proximidade com essa ameaça. O tempo é importante não só para a subjetividade da peça, mas também em reforçar o cerne de seu conteúdo que, ao aparentemente evadir-se de apontar o dedo para o presente, o faz com justeza recorrendo ao passado, exigindo uma reflexão acerca de posturas que se repetem como por atavismo. No instante análogo o dedo que aponta também se estende como prova de confiança, empatia, num pedido de socorro e ajuda. No conjunto, a montagem alcança êxito ao manifestar com poesia e vigor sua ânsia de liberdade. Compartilhada.

Ficha técnica
Direção de Sara Rojo.
Dramaturgia: Gabriela Figueiredo e Felipe Cordeiro.
Com Jéssica Ribas, Luísa Lagoeiro, Fabrício Trindade e Felipe Cordeiro.
Cenografia e iluminação: Sara Maranhão/Figurino: Jéssica Ribas/Trilha e efeitos sonoros: Fabrício Trindade/Projeções: Raquel Junqueira/Orientação vocal: Cláudia Manzo/Orientação corporal: Lucas Resende/Confecção de cenário e figurino: Augusta Cordeiro/Operação técnica: Gabriela Figueiredo/Seminários teóricos: Carla Dameane, Carlos Mendonça, Júlia Morena, Juliana Leal, Pedro Kalil e Tereza Virgínia/Assessoria de comunicação: Felipe Cordeiro e João Santos/Projeto Gráfico: Victor Bulizani/Produção e realização: Mulheres Míticas.

"O Deszerto" trabalha opressões históricas e cotidianas

Raphael Vidigal

Fotos: Raquel Carneiro e Letícia Souza.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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