“Mergulha, sem limites, no espanto e na estupefação; deste modo podes ser sem limites, assim podes ser infinitamente.” Eugène Ionesco
Não deixa de ser elucidativo que no primeiro trabalho a dar dimensão nacional a Michel Melamed, o espetáculo “Regurgitofagia”, o ator recebesse descargas elétricas vindas da plateia. Assim o múltiplo artista transforma pensamentos elaborados em linguagens abusivas e escrachadas. Desde então, soube dar a esse processo as mais diversas formas, com trânsito por diferentes veículos e o mérito de sempre usar o suporte a favor do conteúdo. Melamed tem como intrínseca característica em seus projetos aliar ao máximo possível certo aspecto escandaloso, de imediata assimilação, sem com isto diluir a complexidade do que propõe. Em “Bipolar Show”, apresentado no Canal Brasil e que estreia sua segunda temporada, toda terça às 21h30, não é diferente. Michel mantém intactas as bases de seu estilo, dentre elas, a livre diversidade.
Dois pilares sustentam o programa de entrevistas que se vale de máximas da atração para remodelá-las de acordo com o espírito irreverente do apresentador. Dividem espaço de importância, lado a lado, o improviso e a edição. Os dois são responsáveis por permitir que a colcha de retalhos e o incongruente quebra-cabeças ali desmontado alcancem a característica fluida e ambígua tão cara à geração contemporânea, que observa o mundo a partir de uma perspectiva fragmentada e que, para além da narrativa, oferece uma possibilidade de libertação de um sem número de costumes, morais e tabus. E é por serem, em primeira instância, paradoxais, que improviso e edição ornam tão plenamente a nova empreitada de Melamed. Pois é a partir da interferência na ordem dos episódios registrados que Michel, influenciado por nomes como Godard e Glauber Rocha, este último pelo tom excessivo da atração, submete sua criação a um cuidadoso artificialismo, apenas donde pode surgir algo real.
Raphael Vidigal
Fotos: Débora 70.