Chiquinha Gonzaga (Chorinho)

“porque tudo é vale onde o som dói.” Fernando Pessoa [Álvaro de Campos]

compositora de "Corta-Jaca"

O piano tocava ao fundo de uma sala branca, indistinta, recatada. Não era possível saber do que se tratava, até ela adentrar o recinto. Uma mulher, feminina e ferina, pousava os dedos laicos sobre o piano.

Uma mulher, e isso era tudo, e era um absurdo, até desacato. Chiquinha Gonzaga enfrentou o piano, o pioneirismo lhe coube aos ombros, leves, bem costurados, mas que se tornaram alvo de indignação quando ela defendeu os escravos.

Até o carnaval passar, e as alas se abrirem, muito choro se ouviu sob uma lua frouxa, que se desmilinguia quando as traições apareciam no caminho de Chiquinha Gonzaga.

Ao que ela pisava as pedras, musicava teatros, regia orquestras, defendia a Proclamação da República, vendia partituras de porta em porta, e dava aulas, para sustentar-se e à filha.

Talvez o simples sentimento, rebuliço, aumento de batidas cardíacas provocadas quando se ouve “Atraente”, “Corta-Jaca”, “Faceiro”, fossem suficientes para se considerar Chiquinha a mestra da música brasileira, e por isto esse dia é comemorado, o de seu nascimento (17/10) e referendado pela presidente Dilma como da Música Popular Brasileira, mas ainda ela foi além, e surpreendeu mesmo os prevenidos.

Pois Chiquinha Gonzaga, dona de obra que ultrapassa as duas mil composições, fundadora da primeira sociedade protetora dos direitos autorais, será homenageada hoje, dia 20, no Armazém Dona Lucinda, pelo violão de Agostinho Paolucci, a flauta transversal de Marcela Nunes, o cavaquinho de Eduardo Macedo e o pandeiro de Ana Luiza Braga.

Ouçamos com atenção, e aprendamos, divertindo-nos, sobre música, ousadia, e coragem.

Corta-jaca (tango, 1897) – Chiquinha Gonzaga
Composta para a peça “Zizinha Maxixe”, de Machado Careca, com o nome de “Gaúcho”. Quatro anos depois ganhou letra de Machado e foi rebatizada de “Corta-jaca”, por ser dançada nesse estilo.

Chiquinha Gonzaga

Raphael Vidigal

Publicado no jornal “Hoje em Dia” em 20/10/2012.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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