“Eu, que podia criar outros seres, não encontrava meios de libertar-me da existência.” Murilo Rubião
Se a vida bastasse uma expressão como o jornalismo seria suficiente. Ou, ainda, os fatos nos contentariam. É notório, porém, que o homem vive pela imaginação, e sobrevive, principalmente, através dela. Mineiro do Carmo, Murilo Rubião foi um sujeito comum, pacato, simples, descrito pelos amigos com certos adjetivos nada representativos de sua obra literária: tímido, quieto e até, pasmem, de poucas palavras. Não foi o único escritor de poucas palavras. Rubião publicou, ao longo de toda a vida, 33 contos, concisos e variados, com uma característica em comum, o fantástico que mais tarde se perceberia com outra nitidez nos textos do argentino Julio Cortázar e do colombiano Gabriel García Márquez. Noutras décadas, Murilo teve algumas obras adaptadas para o teatro, o cinema e a televisão, e traduzidas em inglês, espanhol e até alemão.
A primeira reação aos contos de Murilo é o espanto, mais tarde transfigurado no fascínio e, por último, em seu estágio mais importante, na reflexão. Três fases que encontram comparativo com nascimento, maturidade e morte. O teor existencial e social que permeia as histórias contadas pelo escritor encontra seu ponto de contato na frustração. Murilo não compreende a existência, não a domina nem se sente apaziguado com seu sentido aparente, tal qual não concede as injustiças do dia a dia como mera questão circunstancial. Logo, para não burilar o pensamento e, sobretudo, o sentimento, como panfletos rasgados ou desabafos chorosos, ele recorre à origem do conceito artístico. É através da estética dos contos de fada, cuja moral se perdeu no caminho, que Rubião exibe o peito de chagas e as palavras incompreensíveis de seus olhos.
Raphael Vidigal
Fotos: Divulgação e Arquivo pessoal de Paulinho Assunção. Na segunda imagem, da esquerda para a direita, Ronald Claver, Oswaldo França Júnior, Branca Maria de Paula, Murilo Rubião e Paulinho Assunção, na década de 80.