Cassino do Chacrinha – Alô, Alô, Terezinha!

“Quem não se comunica, se trumbica!” Chacrinha

Chacrinha

O espelho mirava à frente o homem cujos olhos baços procuravam distinto reflexo. Velho, com cabelos em chumaço de aspecto do algodão, pipocava no meio da cara um protuberante nariz. Os lábios em acento circunflexo lembravam as antigas máscaras de teatro tristonhas. Pronto para a batalha, mantinha o gelatinoso corpo rosa em posição de ataque, com a barriga para derrubar quem lhe insinuasse ameaça: O guerreiro. Calado. Cansado. Careca. Pediu imediatamente à assistente de palco que restituísse ao posto a cartola entregue ao chão. Qualquer desavisado acende as luzes dos refletores, câmeras, ação!

O palhaço ainda não está feito. O palhaço tem seu minuto de silêncio. Afinal acumula minutos, horas, dias, meses, anos à frente deste produto chamado televisão. Desde que migrou de Surubim, cidade natal, interior de Pernambuco, para o Brasil todo, as mudanças não foram poucas. Perdeu o nome, a alcunha de um distante lugar onde eram gravados programas de rádio definitivamente tomou conta de sua personagem. Está neste mundo como um ilusionista, mágico, pois além de não pretender a resposta exata, diverte-se com a confusão, a anarquia, o caos, a encruzilhada. Guerreiro velho.

Este palhaço. Olha-se no espelho. Enfia nos bolsos das calças as gorduchas mãos. Possui dedos grossos, descuidados, capazes de furar sacos de farinha e despejá-los no público, na audiência, no auditório. É o desrespeito puro, grotesco, disforme. O achincalhe. A privação da escolha. A autoridade. Este palhaço. Comanda o povo. Dissolve a massa. Calouros, jurados, mulheres, profissionais do ramo, artistas, gente de praxe. Ninguém segura o estouro do palhaço. O bacalhau voando. A chuva dos carnavais. O microfone ao alto, abaixo. Uma promiscuidade. Talvez, abacaxi?

Mas a qual preço para o palhaço? Agora um velho gordo, obsoleto, apagado. Outrora o anfitrião, o tarado do Pastoril, a tradição, o folclore. Alguém grita ao fundo. Esperneia, paparica com serpentinas e confetes da memória este sujeito estupefato, parado frente ao espelho, tem os olhos baços. Que agora riscam com brilho branco o negro quadro, qual as pupilas de lince, agudas, rutilantes, caminham para o escárnio. O banquete, a atração, o prato estará servido em segundos. E o barulho de muitos não abafará a estranha figura a inquirir, com o dedo rente ao protuberante nariz, afinal: “Quem vai querer?”.

Os lábios cheios de uma sandice tremenda retomam o poder do chicote, ao acentuarem-se em til. O palhaço ignora a vida. É somente uma intolerante fantasia a provocar a desfaçatez do plano em considerar-se sério, digno, respeitável. Senta os tais postos no trono, ridiculariza, buzina a feira, espirra com a rangente, e indecorosa, Alegria:

– Alô, Alô, Terezinha!
É um barato o Cassino do Chacrinha!

Cassino-Chacrinha

Raphael Vidigal

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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