Autor de “Noites Felinas”, Cyril Collard foi poeta, músico, ator e cineasta

“As verdades da vida são sempre ditas na cama.” Cazuza

Cyril-Collard

Bissexual, experimentado em drogas, vítima fatal da AIDS na década de 90, antes de completar 40 anos. Poeta, compositor, ator, músico e cineasta. Dedicado, sobretudo, à arte. História comum às de Cazuza, Caio Fernando Abreu, Reinaldo Arenas e Renato Russo, entre outros. As semelhanças são várias, mas o que distingue o francês Cyril Collard (morto há 20 anos, em 5 de março de 1993) entre seus pares é, por exemplo, certa veemência aliada à insolente poesia com que registrou a própria vida.

Se do compositor carioca podemos destacar a acidez, do escritor gaúcho o lirismo, do poeta cubano a rebeldia e do cantor criado em Brasília o sentimentalismo, todas essas características aparecem em Cyril de maneira ainda mais petulante, num vulnerável desdém com que conciliou inseparavelmente tudo o que lhe despertava interesse. Assim ele anuncia no filme “Noites Felinas”, no que parece ser um poema e depois cantarola-se quase aos assovios: “dizer não ao canto das sereias ou rugir como um leão na arena?”

No longa, cujo estopim é o livro de mesmo nome do autor, incide toda a mistura entre documentário, ficção, literatura, cinema e música. Como há a indistinção de sexos no concernente à dor e ao prazer. Cyril, que interpreta a si, reinterpreta a trajetória, a vida, bebia de todas as fontes, sem se preocupar se o gosto era amargo ou quente e se a temperatura tendia ao gelado ou doce. Lançado em 1992, venceu na temporada seguinte em todas as quatro categorias disputadas no prêmio César, o mais respeitado da França, respectivamente edição, filme, primeira obra e atriz promissora (para Romane Bohringer).

Mas o personagem principal não pôde comparecer à cerimônia ou assistir a tal consagração. Nascido em 19 de dezembro de 1957, filho de uma abastada e liberal família parisiense, ele havia morrido meses antes, aos 35 anos. Retratado com a fidelidade do excessivo modelador de barro Cyril Collard, o filme pode ser alugado na locadora Cristal, em Belo Horizonte, localizada na praça do Coração Eucarístico, em frente à PUC Minas. O livro, lançado no Brasil pela editora Brasiliense, está fora de catálogo, e se encontra à venda em sebos e no portal “Mercado Livre”, ao preço médio de R$17,00. As músicas podem ser todas ouvidas no Youtube.

Como jamais disse “não” para absolutamente nada, relação reiterada em todas as obras do artista, Cyril Collard não virou a cara sequer à partida.

CURIOSIDADE: Numa carta ao amigo e cineasta Guilherme de Almeida Prado, o escritor Caio Fernando Abreu diz: “Cyril Collard faria o Sergião Bianchi (diretor de cinema) sentir-se inocente. Escreveu um romance autobiográfico e transformou-o em filme. Muito, muito bonito, comovente e contemporâneo”.

Cyril-Collard-Noites-Felinas

Raphael Vidigal

Crédito das fotos: “Noites Felinas”; filme e livro, respectivamente.

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7 Comentários

  • Muita gente que se foi na década de 80/90 poderia sobreviver se os recursos hoje disponíveis para controle da AIDS estivessem em uso. Uma pena, artista como Cyril e tantos outros se foram cedo demais.

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  • Assisti o filme, jamais esqueci do impacto que me causou. Obra de um artista corajosamente entregue à vida, coisa cada vez mais rara de se ver no cinema atual, cada vez mais feito para agradar, infelizmente.

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  • Devia ter uns 15, 16 anos quando assisti Noites Felinas pela primeira vez, e me apaixonei profundamente pelo protagonista. Depois de muitos anos revi com um novo olhar, e me encantei novamente. Como já havia dito em alguma postagem sobre o autor, o ator e o diretor belíssimo, abracei seus exageros nos meus, assisti seus medos, seus excessos e suas incertezas, recebendo uma metralhada no meu coração. “Estou vivo”, ele diz na última cena como uma prece, querendo nos dizer algo mais. Diferente do decorrer da trama finalizou sua obra sem excesso, desapegado ao medo gritante, extasiado… e que cena!

    lindo!

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  • Assisti esse filme num festival de cinema, sem legendas e com tradução simultânea, mas eu não havia visto o fone e não sei francês. Porém gostei do filme mesmo sem entender nada. Mais tarde assisti com legenda e gostei mais ainda. Filme marcante.

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  • Oi gente. Eu comprei o livro Noites Felinas há poucos dias em um sebo no Rio, em ótimo estado de conservação. Ainda estou nas primeiras páginas. Gostaria de saber se alguém por acaso sabe onde posso conseguir o filme para comprar ou alugar!… (no Rio, onde moro). Não achei pra comprar no site de nenhuma livraria, e nem pra alugar nas locadoras… Se alguém tiver dicas de como conseguir, por favor avise 🙂

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  • Assisti esse filme nos anos 90 e me marcou demais. Nunca esqueci do que vi. Era uma jovem estudante universitária e sempre apreciadora de bons filmes. Esse é inesquecível. Vale a pena rever.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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