As Músicas Que Clodovil Cantou

“Em assuntos de vital importância, o estilo, e não a sinceridade, é o verdadeiramente vital.” Oscar Wilde

Clodovil

O falar empolado e as idiossincrasias da personalidade tornaram Clodovil uma figura caricata. Infelizmente, a imagem que cristaliza o tempo nem sempre é a mais próxima da realidade. Estilista consagrado, após estrondoso sucesso passou a se dedicar menos à alta costura e mais àquilo que considerava a realidade da maioria da população de seu país, oposta à dele, já incorporado a uma privilegiada minoria da elite financeira do Brasil. Astuto, Clodovil tanto se ofereceu às artes como estas a ele. Criou moda para peças teatrais e filmes.

Nos palcos não apenas interpretou personagens, inclusive na televisão, quase unicamente sendo o próprio ou algo muito próximo disto – com algum disfarce de troca de nome, quando muito – como se deleitou a soltar a voz com o rigor e a elegância que pautaram suas costuras e alfinetadas, em canções tarimbadas. Além da pecha de barraqueiro, polêmico e briguento, alcunhas construídas pelo apresentador ao longo dos anos em programas muito populares, Clodovil foi um homem com talento e dom para a cultura e a arte.

Ma mélo mélodie (canção francesa, 1972) – Michaële, D.Vangarde e J.Kluger
Natural de Elisiário, uma cidadezinha de três mil habitantes localizada no interior de São Paulo, Clodovil Hernandes foi adotado por um casal de imigrantes espanhóis. Embora tenha descoberto o fato aos onze anos de idade, ele nunca o revelou aos pais que sempre considerou “naturais”. O caráter cosmopolita de sua personalidade já se revelava desde cedo, quando ainda menino copiava vestidos de filmes e mulheres da rua, e permaneceu por toda a vida. Embora cantasse, e bem, em vários idiomas, incluindo o português em canções como “Pierrot”, de Joubert de Carvalho e “Mulher”, sucesso de Silvio Caldas, a língua que ele preferia entoar em notas era o francês, não por acaso, cidade da moda e das artes em geral. Em 1974, num programa do “Fantástico”, Clodovil interpretou com o requinte necessário a música “Ma mélo mélodie”, êxito da cantora egípcia que consolidou a carreira na França e de trajetória atribulada, Dalida. Enquanto desfilava entre manequins usando vestidos criados por ele, Clodovil criava ainda mais beleza, passeando pela música.

Gracias a la vida (música folclórica, 1966) – Violeta Parra
Com uma inconfundível risada no começo da música folclórica, “Gracias a la vida”, de 1966, Clodovil Hernandes apresenta logo de cara ao público uma de suas facetas mais conhecidas e cobiçadas: a irreverência. Lançada pela autora Violeta Parra no último álbum antes de cometer suicídio, a canção é até hoje uma das latino-americanas mais regravadas de todos os tempos, por nomes como a argentina Mercedes Sosa e a brasileira Elis Regina, consideradas divas e referências do canto em seus países. A versão de Clodovil foi gravada em 2006 para abrir o espetáculo “Eu & Ela”, em que o estilista mais uma vez se aventurava nos palcos como cantor, ator e o que mais fosse necessário. Um artista completo que fazia da qualidade seu único limite. Por isso ele agradecia: “Gracias a la vida/que me ha dado tanto…”

Ne me quitte pas (canção belga, 1959) – Jacques Brel
O poder hipnótico do canto de Edith Piaf foi forte o bastante para praticamente mudar a nacionalidade de uma canção. “Ne me quitte pas”, composta pelo belga Jacques Brel em 1959, tornou-se de tal forma emblemática no registro da cantora francesa que muitos a atribuem até hoje a ela. Ainda que haja dúvidas se o fato realmente ocorreu ou se tudo não passou de uma lenda. De contornos dramáticos e rompantes de rara beleza, recebeu ao longo das décadas diversas regravações, entre elas a da não menos trágica Maysa. Clodovil Hernandes também a interpretou no espetáculo “Eu & Ela”, de 2006, e provou que era capaz de emocionar fazendo uso do que sempre pautou sua vida: a arte e a elegância.

Clodovil-musica

Raphael Vidigal

Lido na rádio Itatiaia por Acir Antão em 23/03/2014.

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11 Comentários

  • olà Raphael sou fan de cllodovil………como vc adivinhou rs
    muito obrigado….
    eu nao perdia um programa dele dele na rede tv……..vai demorar muito pra aparecer uma pessoa igual a essa ,gostava dele pq ele falava a verdade com classe.mais um vez obrigada…..

    meu carinho e respeito a esse grande homem saudades eternas…

    Resposta
  • Bom demais, Raphael. E a música francesa tem seu lugar, né? Gostei do vídeo à beira da piscina. Os anos 70 foram o máximo….

    Resposta
  • gostei da sua publicação
    enviei ao presidente do instituto Clodovil Hernandes

    Resposta
  • Acabo de ler a matéria, curiosos os detalhes, apesar da minha natural aversão a ele, canta certino, bem cool e respeitoso, não deixa de fazer isso com mais competência que muitas por aí, né não? Estamos cheios de desafinadas, haha.

    Resposta
  • Eu amo Clodovil! Sempre admirei sua classe, bom gosto e excelente visão das coisas! Os que implicavam com ele o faziam por não gostarem de ouvir a verdade como ele dizia! Era chiquérrimo, inteligentíssimo, lindo! Um lord realmente! Eu fiquei sua fã desde a época da TV Mulher, quando saía correndo da escola para chegar a tempo de assistir ao final do programa onde ele aparecia! Eram quinze minutos onde ele ensinava muito e sobre todos os assuntos! Sua perda foi irreparável para o mundo, pois não há ninguém com tanta classe e sabedoria para substituí-lo! Clodovil foi um dos pouquíssimos políticos honestos! Obrigada CLÔ! Por ter partilhado conosco sua deslumbrante luz!

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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