Antero Greco: ‘Jamais imaginei que temeria pela minha liberdade novamente’

*por Raphael Vidigal

“Eu leio os textos sagrados como quem lê poesia e não como quem lê jornal. Quem lê jornal procura a verdade dos fatos. Eu procuro a beleza. É de beleza que a alma se alimenta.” Rubem Alves

Antero Greco, 65, encara a sua segunda quarentena em 2020. No início do ano, ele foi diagnosticado com uma virose que exigiu recolhimento. “Tive que ficar em casa por determinação médica. Até brincaram comigo dizendo que era uma doença comum em crianças e a terapia era ficar em casa. Não pude nem vir para cá, permaneci no meu apartamento em São Paulo”, conta. O “cá” a que ele se refere é o condomínio na região de Jundiaí, a cerca de 50km da capital paulista, para onde ele e a esposa se mudaram de mala e cuia há dois meses, logo que o anúncio da chegada da pandemia do novo coronavírus ao país obrigou os brasileiros a mudarem a sua rotina radicalmente. “Aqui é mais tranquilo, posso andar pelo quarteirão, olhar a lua, dar uma espairecida, até para não ficar enferrujado. Em São Paulo eu estaria com uma certa claustrofobia”, destaca ele, ao mencionar a sua cidade natal.

Antero continuou indo aos estúdios da ESPN Brasil, na qual trabalha desde a sua fundação, em 1995, até meados de março, quando a emissora comunicou que alguns profissionais entrariam no regime de quarentena, entre eles Antero e Paulo Soares, o Amigão, companheiro de bancada do SportsCenter há exatos 20 anos. “A gente tinha programado uma série de matérias e episódios sobre a parceria. Acho que será retomado lá para agosto ou setembro”, lamenta. “Sinto falta de ir para a TV, fazer o nosso trabalho normalmente e da liberdade que, no final das contas, não temos mais. Mas, principalmente, tenho saudades das nossas risadas e da interação. Pelo que pude perceber, o Amigão está dormindo até mais cedo. Eu continuo dormindo tarde”, entrega Antero, que tentou realizar uma live com o parceiro, segundo ele, atualmente refugiado “no meio do mato”.

Reflexão. O comentarista esportivo lançou, inclusive, uma campanha na internet para convencer o amigo, mas, diante do insucesso, passou a protagonizar transmissões ao vivo no Instagram ao lado dos colegas Celso Unzelte e Paulo Calçade. “Nos primeiros dias de quarentena, eu fiquei meio perdido, não sabia como fazer com a televisão, o pessoal achou que eu estava me considerando de férias. Expliquei que estava à disposição 24h por dia e comecei a ser aproveitado na programação, o que para mim é muito bom, porque ocupa algumas horas do meu dia. Considerando o momento que a gente vive, trabalhar tem sido uma terapia. Se eu ficasse aqui sem fazer nada não me sentiria bem”, admite. Quando encarou o seu primeiro isolamento, o jornalista ficou impedido de se deslocar, porque movimentos bruscos poderiam agravar a virose, que atacou fígado e baço. “Fiquei quieto em casa, assistindo TV e esperando o vírus ir embora, como de fato foi. Se tivesse sido agora, eu teria certeza de que era Covid-19”, diz.

A experiência o levou a um “período de reflexão”. “De pensar em como somos frágeis. Eu, com mais de 60 anos, peguei um vírus besta, que toda criança tem, mas, como veio tardiamente, se tornou grave. Como ficamos com a vida truncada de uma hora para a outra. Eu tive que esperar pacientemente até os exames indicarem que estava tudo bem. Isso dá um desgaste psicológico grande. E, um mês depois, vem uma outra reclusão. Só que essa é mundial e mais estranha, você não sabe quem pode te passar, onde pode pegar, o que gera ansiedade, tensão, e, sobretudo, pode parecer um chavão, mas a gente pensa: ‘não é que a maior riqueza é mesmo a saúde?’. Saúde mental, física e psicológica, todas andam juntas”, observa.

“Desperdiçamos tanta energia, tempo e sentimentos com bobagens, corremos atrás de coisas que, de repente, se mostram inúteis. Mais do que tantas futilidades que buscamos na vida, para mim, nesse momento, não tem nada mais importante do que poder estar com meus dois netinhos. Uma coisa tão corriqueira, banal, simples e, agora que estamos com a vida restrita, vemos o real valor dessa bênção”, acrescenta.

Tensão. Para se adaptar à nova realidade, Antero estabeleceu novos hábitos. Ele confessa que, nos primeiros 10 dias, “estava muito ligado em redes sociais e nas informações sobre a pandemia”. “Percebi que meu sono era tenso. Eu ia dormir irritado, pilhado, com medo. Então, adotei um novo sistema: acordo, confiro as mensagens no celular, dou uma olhada rápida no noticiário e, no final da tarde, dou uma segunda espiada. Parei de acessar notícias sobre a pandemia à noite. Compreendi que não me fazia bem. Estou preocupado, tomando os cuidados, mas tento não ficar obcecado. Isso faz tão mal quanto os que não estão nem aí”, afirma.

Acostumado a ser ativo nas redes sociais, principalmente no Twitter, o jornalista sumiu por um tempo e passou a fazer “aparições esporádicas, com observações leves e engraçadas”, como, por exemplo: “ontem, pedi esfihas e quibes. Quando chegaram, descartei a embalagem e lavei esfihas e quibes com água e sabão. Ficaram com gosto esquisito. Minha mãe mulher diz que exagerei. Sei não, essa quarentena…”. Porém, na última sexta (15), após o pedido de demissão de Nelson Teich do Ministério da Saúde, ele não se conteve. “Saio do meu desterro voluntário apenas para dizer com todas as letras e sem nenhuma etiqueta: estamos fodidos!”.

“As redes sociais já são um ambiente tenso, carregado e, com as pessoas em casa, amedrontadas, exacerbou reações. Sempre fui muito religioso, estudei em colégio de padre, passei um tempo no seminário. Muitos da minha geração têm trauma de religião. Não é o meu caso. Eu sou católico. Dei uma relaxada, mas ainda tenho um lado carola que aflorou com a reclusão. Fico pensando na finitude da vida e o que podemos ter de valores mais abstratos e bonitos para aproveitar. Estar próximo à família, ler um livro que eu gosto, é mais importante do que discutir nas redes sociais com uma pessoa que nem conheço. Não é omissão, procuro evitar o desgaste, me preservar. Fiz um exercício de paciência e tolerância com pessoas que estavam muito agressivas, alteradas e agitadas na rede e, ao invés de alimentar, eu procurei esvaziar e deu um bom resultado. Recebi até um pedido de desculpas. Do que vai adiantar xingar o governo? As pessoas que me conhecem sabem da minha posição”, declara Antero.

Posição. A pandemia do novo coronavírus já matou mais de 15 mil pessoas no Brasil, e, a cada dia, esses números são ampliados. Diante dessa situação aterradora, o presidente Jair Bolsonaro deu declarações que transigiram da “gripezinha” ao lacônico “e daí?”, passando pela gabação, em pronunciamento oficial, da própria condição física, com o seu “histórico de atleta”. As palavras encontraram eco na postura do mandatário, que, em sua saga contra o isolamento social, provocou aglomerações que ajudaram a consolidar a demissão de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde.

A insistência em impor o uso da cloroquina no protocolo de combate à doença levou à demissão do segundo ministro da pasta, Nelson Teich, que durou menos de 30 dias no cargo. O caldo ficou completo e derramou de vez com a saída ruidosa de Sergio Moro do Ministério da Justiça e Segurança Pública, sob a alegação de que Bolsonaro interferia na Polícia Federal, acusação que é alvo de um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF).

“O presidente da República é isso, é uma pessoa que, a vida toda, demonstrou apreço por regimes mais duros. Não dá para dizer que não sabia que ele era assim, bastava um pouquinho de informação. Quem o escolheu é porque se identifica com o que ele pensa ou porque ficou cego de raiva com tudo o que se criou em torno de Lula e Dilma. Fico triste com isso, lamento. Jamais imaginei que temeria pela minha liberdade novamente, e esse temor eu tenho hoje. Não sei no que vai dar, mas está claro que há uma vontade constante do presidente de confrontar os outros poderes. Esse é o bê-a-bá da democracia, não pode haver desiquilíbrio entre os poderes. Quando isso acontece, não é mais democracia”, analisa Antero.

Ele garante que, “diante de uma pandemia, esperava ver um lado mais sensível e humano, de empatia com o povo”. “E aí também é uma decepção, porque se trata de ter uma postura acima de convicções ideológicas e políticas, diz respeito à humanidade. Bastava uma declaração de 15 segundos, dizendo: ‘o mundo vive um momento diferente, tenso, onde temos um inimigo desconhecido e poderoso que está chegando ao Brasil e o governo fará o possível para que ele cause menos danos à nossa gente. Iremos todos caminhar juntos’. Mas o que assistimos, desde o começo, foi alguém indo contra o mundo”, critica.

Embate. A postura de Bolsonaro criou choques com governantes de diferentes espectros ideológicos. Vinte governadores assinaram uma carta-conjunta contra o presidente, enquanto vários prefeitos descumpriram decretos assinados por ele. “A postura deveria ser de cautela e, aqui, é o contrário, chamam o povo para ir para a rua, postam que é uma invenção da China para dominar o mundo, as teorias mais disparatadas”, pontua Antero. Nesse turbilhão, o governador de São Paulo, João Doria, do PSDB, se transformou no principal opositor de Bolsonaro. “As pessoas ficam divididas. Muita gente vê o presidente como a principal figura da nação e, quando ele diz que está tudo tranquilo, causa uma confusão. Esse é um conflito que não atinge só as classes menos favorecidas, tenho pessoas na minha família, que estudaram, com diploma, que estão assim, sem saber que rumo tomar”, revela o entrevistado.

“Nunca votei no (João) Doria, o critiquei muito quando ele era prefeito de São Paulo e ia brincar de ser gari, jardineiro, aquelas demagogias todas, ele sempre demonstrou uma avidez enorme de poder, traiu o (Geraldo) Alckmin, que era seu padrinho político, porém, na pandemia, ele tem agido certo, com medidas que não são só mise-en-scène (cena) para arrumar briga com morador de rua e fingir que é lixeiro. Ele feriu interesses e convicções da classe média, e aí passou a ser taxado de ditador, mas faz o certo”, complementa. Doria ameaçou prender e multar quem violasse as regras de isolamento social, o que despertou reações negativas. “Necessitamos de união e trégua, um acordo nacional da extrema direita à esquerda, passando pelo centro”, torce ele.

Lula. Em 2017, menos de um ano antes de Lula ser preso, Antero entrevistou o ex-presidente, ao lado dos jornalistas José Trajano e Juca Kfouri, com quem conviveu na ESPN. A entrevista entrou na mira de defensores de vertentes políticas antagonistas à do líder petista e acumulou comentários ofensivos na internet. “Tenho 46 anos de profissão. Me consagrei falando de futebol, mas cobri visita do Papa, entrevistei general na época da ditadura, Ricardo Teixeira, (Carlos Arthur) Nuzman, (Michel) Platini, Pelé, (Joseph) Blatter, Zico, (Paulo Roberto) Falcão, porteiro, garçom, motorista, preso em delegacia”, enumera. “Eu entrevistaria o (Paulo) Maluf, a (Luiza) Erundina, o (Fernando) Haddad, qualquer um. A entrevista com o Lula foi mais uma de milhares que fiz na vida, porque sou jornalista. As pessoas não entenderam ou não quiseram entender e tomaram aquilo como uma peça de publicidade e propaganda, o que não tinha nada a ver”, salienta. “O ódio e o preconceito levaram muita gente a me levar de safado”, anota.

O convite para a entrevista foi feito por Trajano, que, aliás, contratou Antero para a ESPN nos primórdios do canal. A intenção era “mostrar que o pessoal do esporte também sabe entrevistar político”, relembra o paulistano. Ele pediu a autorização da emissora e recebeu o “ok”. Quando chegou ao encontro com Lula, exibido pelo programa “Na Sala do Zé” e disponível no YouTube, foi claro. “Disse para ele que estava ali para apertá-lo, que eu seria igual a um zagueiro ‘botinudo’”, recorda. Como resposta, obteve um “pergunte o que quiser, é proibido proibir”. Todavia, ao final da conversa, saiu “um pouco frustrado”. “Como você sai de toda entrevista com político bom, que é hábil, esperto. Você não consegue apertar ele, porque ele alonga a resposta, foge do tema. Se você conversar com o Maluf por 15 minutos, sai convencido de que o que falam dele é mentira. Com o FHC (Fernando Henrique Cardoso), em 10 minutos fica apaixonado”, compara.

Durante duas horas, o jornalista não mediu esforços para arrancar confissões, e adotou um ar propositalmente carregado. “Se sorri, foi no finalzinho. Fiz questão de ficar de cara séria. Minha esposa mandou mensagem para saber se eu estava bravo. Fora do ar, o Lula me perguntou se eu era do ‘partidão’ (alusão ao Partido Comunista do Brasil, no caso, entendido como sinônimo de carranca e severidade). Eu disse que não, que nunca tinha me filiado a nenhum partido, nem sido militante, o que era até uma falha na minha vida. Ele respondeu que me achou sisudo, e eu disse que tinha avisado que faria perguntas duras, para que ninguém imaginasse se tratar de um bate-papo entre amigos. Fiquei feliz porque muitas das minhas perguntas repercutiram em outros veículos de imprensa, como a da reforma partidária”, sublinha.

Disputa. Nada disso impediu que Antero sofresse um achincalhe virtual. Em 2018, na disputa entre Bolsonaro e Haddad, ele declarou voto “em defesa da democracia”. O ex-prefeito de São Paulo assumiu a cabeça de chapa do PT depois que a Justiça impediu a candidatura de Lula, preso pela operação Lava-Jato. O ex-presidente deixou a prisão há seis meses, após 580 dias de cárcere.

“Lula é um fenômeno que vai ser estudado, um personagem importante da história do Brasil, que promoveu a conciliação de maneira extraordinária. Ele é um político por excelência, como são FHC, Sarney e outros. Não falo de Dilma (Rousseff) e (Fernando) Collor porque eles falharam na negociação. E não acho que a negociação seja ruim. É melhor a gente ter um político habilidoso do que um tosco, grosseiro, antidemocrático. É que temos uma imagem tão negativa do político que concluímos logo que ele é picareta e vai nos passar a perna, em parte com razão e, noutra parte, por preconceito. Eu não seria político nunca. Se um cara insinuar alguma coisa de desonestidade minha na rede social, eu já parto para a baixaria. Imagina você ouvindo o dia inteiro que é ladrão? Tem que ter dom para ser político. E a política é fundamental, tudo que fazemos é política, da roupa que vestimos à nossa comida. O problema é que a gente confunde com partidarismo”, diferencia Antero.

“Política também é a arte de conciliar conflitos e interesses. Sou a favor que os partidos de centro, direita, esquerda e os que fazem os lobbys das armas, do petróleo, da construção, da igreja e da cultura, estejam representados como setores relevantes da sociedade, mas de forma aberta e, numa democracia, sentem à mesa para negociar. Caso contrário, cada um resolve na faca e no tacape e a gente vai se matando como faziam os nossos ancestrais”, explicita.

Futebol. Embora a política seja responsável por boa parte das preocupações contemporâneas de Antero, ele ganhou fama graças às análises acerca do esporte mais popular do país. Com passagens por Estadão, Folha de São Paulo, Diário Popular e Band, seu rosto se tornou conhecido na tela da ESPN, geralmente acompanhado por um sorriso simpático e uma expressão natural de boa praça, comprovada nas relações amistosas com os colegas da casa. A despeito da larga experiência, ele não tem ideia de como será o futuro do futebol brasileiro. “Temos que ver como será a nossa vida, e aí incluo o futebol como uma grande interrogação. Os cientistas não sabem como serão os próximos meses, em quantos anos nossa vida voltará ao normal, quando poderemos ir ao cinema, jogo, restaurante, comício, praia, sem medo de pegar o vírus”, sustenta ele, que prevê partidas com portões fechados.

“Haverá um primeiro momento de retração, o futebol deve voltar sem público, a receita irá diminuir, os clubes terão mais dificuldade em pagar os salários. O pessoal da empresa à indústria também vai passar por isso. Mas eu sou otimista, a humanidade já superou outras catástrofes”, atesta. “O ser humano é danado, depois que passa o susto, volta a repetir os mesmos erros. O meu querido amigo Roberto Salim (jornalista) fala isso. A gente jura que vai largar as besteiras, que pão com manteiga e café com leite está ótimo, aí depois vem uma vacina e já estamos desejando roupas de grife e jantar de gala de novo. E toda essa conversa de valores mais simples que tivemos até agora será esquecida”, acredita.

Histórias. Do passado, o comentarista resgata, com nostalgia, o período em que os grandes jogadores permaneciam no Brasil. “Zico quando foi jogar na Udinese e o Sócrates (1954-2011) na Fiorentina, eles já tinham quase 30 anos. Pelé foi jogar nos Estados Unidos depois de uma primeira aposentadoria. Hoje, Vinícius Jr., Gabriel Jesus, Paquetá, Gabriel Barbosa, garotos de 17, 18 anos, fazem a carreira toda no exterior e ficamos privados de tê-los aqui, o que provoca um esvaziamento. Lamento o fato de a gente ter se tornado um país exportador de talento muito precoce”, pondera.

Como repórter, ele sente falta de uma época em que “o contato era mais cordial, havia mais humanidade na relação entre imprensa e jogador”. “Não confundir com promiscuidade, isso eu condenava ontem, hoje e sempre. Nunca chamei jogador de ‘meu ídolo’, ‘meu capitão’, ‘meu querido’. A proximidade era uma via de mão dupla. A gente entendia melhor o que acontecia no clube, cobria os treinos no dia a dia, às vezes, literalmente, dentro de campo”, pontua.

Criado no tradicional bairro de Bom Retiro, conhecido por abrigar populações de diferentes origens, como italiana, judaica, grega, coreana e boliviana, ele puxa, com o fio da memória, histórias que endossam a tese. “Acompanhei a carreira do Falcão na Itália de ponta a ponta, eu era correspondente do jornal. Tinha o telefone dele, do irmão, da mãe, do posto de gasolina, do procurador. Quando ele encerrou a carreira e foi treinar a Seleção Brasileira na Copa América de 1991 no Chile, eu via que ele estava inseguro e cometia erros. A minha vontade era aconselhá-lo, mas fiquei na minha. Anos depois, ele já como comentarista da Rede Globo entendeu que, naquele momento, não éramos amigos, ele era objeto da minha análise. Dessa maneira, a gente ganha muito mais respeito do que quando o jogador te vê como chapa-branca, amiguinho”, assegura.

Ídolos. Episódios parecidos envolveram os multicampeões Vanderlei Luxemburgo e Luiz Felipe Scolari. “Tivemos discussões ríspidas, duras. Fui educado e, ao mesmo tempo, firme. Não abaixei a cabeça. O segredo é ser honesto”, ensina. No rol dos maiores atletas que viu jogar, Antero ressalva que é preciso deixar “Pelé à parte”. “Sou um ‘pelezista’ de carteirinha. Na minha época, tinha o torcedor do Santos e o torcedor do Pelé. Eu era torcedor do Pelé”, revela. A lista segue com Pepe, Gilmar dos Santos Neves, Djalma Santos, Garrincha, Ademir da Guia, Tostão, Rivellino e um nome inusitado. “Tinha um lateral do Palmeiras chamado Eurico, que jogou na (chamada) Academia no começo dos anos 70, que eu adorava. Eu jogava de lateral-direito imitando o estilo dele, são coisas de criança”, rememora.

Em se tratando dos maiores times de todos os tempos, crava o Santos de Pelé, “cresci vendo o maior time do mundo”. “A primeira Academia do Palmeiras, da metade dos anos 60; o Cruzeiro de Tostão, Raul e Dirceu Lopes; o grande Botafogo do Garrincha, que eu vi mais no cinema; o Brasil da Copa do Mundo de 1962; o Palmeiras da segunda Academia, de 1972; e o Flamengo do Zico”, elege.

Cultura. A saudade também alcança Antero quando ele pensa nas perdas recentes da cultura nacional. A figura de Aldir Blanc (1946-2020), vítima do novo coronavírus, é a que mais o comove. “Ele era um compositor sensível, brilhante, premonitório”, elogia. O letrista ficou internado em uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e, por não ter plano de saúde, contou com a solidariedade de amigos, familiares e fãs, que contribuíram com uma vaquinha virtual, a fim de transferi-lo para um hospital particular do Rio. “Eu tinha lido sobre o drama familiar dele para conseguir um tratamento adequado. Isso dói. Como alguém que era formado em medicina, com uma inteligência e conhecimento acimas da média, nessas horas é igual a qualquer um de nós. Pode ser eu, você, o presidente da República, o Papa ou um milionário, somos todos frágeis. Podemos ter recursos, cuidados, mas estamos expostos às surpresas da vida”, reflete.

O comentarista conta que, desde os anos 1970, quando era estudante, acompanhou a trajetória de Blanc, por meio das canções interpretadas por João Bosco, seu parceiro mais constante. “É uma dupla que você não dissocia, igual a Antero e Amigão”, brinca. “Segui o trabalho muito bonito do Aldir nesse meio século. É uma pena que ele não recebeu as homenagens que merecia. Mas a gente entende o porquê. Quer dizer, a gente não se surpreende e lamenta”, corrige-se, em referência ao silêncio da secretaria especial de Cultura, chefiada pela atriz Regina Duarte, diante da morte de artistas brasileiros como o cantor Moraes Moreira, o escritor Rubem Fonseca e o ator Flávio Migliaccio (1934-2020), que cometeu suicídio no mesmo dia da morte de Blanc. “Lembro de inúmeras atuações do Migliaccio em novelas e no teatro. A forma como se deu a partida dele é triste e melancólica. Aprendi com a vida a não julgar quem toma atitudes como a dele. Devemos guardar o respeito e as lembranças”, opina.

“Para mim, essas pessoas são especiais, elas têm uma missão na vida, que é a de nos fazer refletir ou alegrar. Que bom que eles deixaram uma obra e serão lembrados para sempre. Mesmo que, eventualmente, não acreditem em Deus, o espírito elevado vem para cá não é à toa”, crê Antero. Era o caso de Aldir, um ateu convicto. Da coleção de sucessos do coautor de “Mestre-Sala dos Mares”, “Corsário”, “Bala com Bala”, “Linha de Passe” e outras preciosidades, o entrevistado escolhe “O Bêbado e a Equilibrista”, lançada por Elis Regina (1945-1982) em 1979, como a favorita. “É um hino. Não tem como ser outra. Essa é uma música forte, de uma era tenebrosa, em que a gente vivia sob a repressão da ditadura militar, e trazia uma letra corajosa, ousada, que me arrepia até hoje”, confidencia.

Jornalismo. Formado em Jornalismo na USP (Universidade de São Paulo), onde também cursou Letras, ele tinha 20 anos e começava a dar os primeiros passos no jornalismo profissional. “As músicas ‘Cálice’ (de Chico Buarque e Gilberto Gil) e ‘Apesar de Você’ (Chico Buarque) são outras duas que me marcaram muito. O Chico (Buarque) é um ícone da minha geração. É impossível eu não me emocionar porque, nessa época de adolescência e juventude, a gente tinha um desejo reprimido de liberdade, de poder respirar e falar o que sentia sem ter medo de o sujeito do lado ser um infiltrado do regime militar”, relembra.

Nessa caminhada, o ofício que ele desempenha há quase cinco décadas enfrentou mudanças. Em tempos de fake news e transição digital, as perspectivas desse já ancião do ramo não são lá muito alvissareiras. “É um desafio grande. Hoje, qualquer um se considera jornalista. Basta pegar microfone e fazer TV, rádio, podcast, blog, não precisa mais de diploma”, lastima. “Eu defendo o diploma, acho importante para mostrar que a pessoa realmente quer trabalhar com aquilo, ele é exigido para professor, engenheiro, médico, profissões que precisam de um alto preparo, assim como o jornalismo. Podemos e devemos discutir o currículo da faculdade de jornalismo”, ressalva.

“É um momento de confusão, onde está tudo muito diluído, mas, assim como a pandemia, isso vai passar e haverá uma depuração. A quantidade de aventureiros e oportunistas tende a cair. Quem é jornalista, vai continuar sendo, mesmo na lama”, afiança. O risco que Antero teme é o da “intensificação de nichos que falam para públicos específicos”. “Acho uma pena. Sou a favor do conhecimento aberto, amplo. Talvez represente uma perda que em alguns meios já acontece. Por exemplo, nas redes sociais, essa mania de só seguir as pessoas que concordam com a gente. Não existe mais permeabilidade. Hoje, vejo o futuro do jornalismo de uma forma um tanto pessimista”, assinala.

As demissões em massa são outro fator. Ele mesmo teve que se acostumar com o fato na ESPN Brasil, que, nos últimos anos, dispensou diversos profissionais. “O conceito de grandes redações está mudando, acho que elas não vão existir mais. A gente deve se preparar para ter cada vez mais capacidade de análise. O que, na minha visão, não vai acabar, é a reportagem, que, no fundo, são as histórias. O papel do repórter seguirá importante, a dúvida é como ele vai exercer essa função. Com a questão dos nichos, o desafio é o de sempre: como chegar, de fato, à informação verdadeira, e não àquela que interessa às corporações. Isso está se tornando cada vez mais complicado, porque há uma filtragem da assessoria, que transmite apenas o que interessa à empresa, ao time, ao canal, à entidade. Eu digo sempre que as imagens de assessoria que recebemos vão mostrar somente um mundo cor-de-rosa, você nunca verá uma briga. O desafio é driblar essa barreira para acessar a informação verdadeira e interpretar a realidade de forma isenta e equilibrada, já que tendem a nos impor a oficial”, conclui Antero, ao som de latidos de cachorros e após uma hora e 15 minutos de conversa que, graças à sua retórica, transcorreu como uma libélula, ou seja, passou voando.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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