Análise: Paulo Silvino colocou corpo expressivo a favor das piadas

“Posso inventar qualquer coisa, zombar dos outros, criar toda espécie de mistificações, fazer todo tipo de piadas e não ter a impressão de ser um mentiroso; essas mentiras, se quiser chama-las mentiras, sou eu, tal como sou; com essas mentiras, não simulo nada, na realidade com essas mentiras estou dizendo a verdade.” Milan Kundera

Paulo Silvino deu vida ao porteiro Severino

Se o modelo de beleza grega é pautado pela constância entre equilíbrio, simetria, harmonia e proporcionalidade, o que esta noção sugere como risível aponta justamente para o contrário. Diante deste segundo quadro, podemos nos deparar, frente ao ridículo, com outras duas possibilidades: repulsa ou empatia. Quando esta segunda reação acontece estamos, inevitavelmente, no campo do humor. No caso do ator Paulo Silvino, uma observação panorâmica revela o uso destas valências em todos os personagens que ele, literalmente, incorporou ao longo da trajetória. Não que sua representação buscasse o realismo ou alguma naturalidade, ao contrário. Com trejeitos e cacoetes típicos das definições de caricatura, Silvino soube colocar seu corpo expressivo e abundante a favor de piadas tão imediatas quanto uma assimilação física da realidade. Criou bordões cuja impulsão vinha mais da estética que do conteúdo. Prova é que a mera reprodução das palavras utilizadas não é capaz de alcançar o sentido delas quando imprimidas na tela por meio das atuações.

Filho do também ator e cantor Silvino Neto, o herdeiro trouxe de seu pai as duas qualidades, tanto que se destacou na música antes de entrar, em definitivo, para o rol dos comediantes que marcaram toda uma geração, ao lado de colegas que, por algum motivo, acabaram mais consagrados do que ele próprio, casos de Jô Soares, Chico Anysio e Agildo Ribeiro. Se a presença de Silvino já chamava a atenção, por si só, pelas características descritas (olhos esbugalhados, boca grande e sempre disposta a arreganhar os dentes num sorriso malicioso), seu mérito foi o de fornecer a este arquétipo dicções próprias, que subvertiam, inclusive, temas espinhosos e delicados como o da ditadura militar, através de sua perspicaz personagem que aludia à tortura. Por outro lado, o humor de Silvino foi também mantenedor de privilégios e caçoou inúmeras vezes dos que sempre estiveram nesse lugar de fragilidade em uma sociedade machista e patriarcal, como mulheres e gays. Quando Silvino apontou sua metralhadora contra o estabelecido, seu humor extrapolou o riso.

Paulo Silvino fez dupla com Jô Soares

Raphael Vidigal

Fotos: Globo/Divulgação.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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