A música carnavalesca de Lamartine Babo

“Canto pelos espaços afora
Vou semeando cantigas
Dando alegria a quem chora (…)
Canto, pois sei que a minha canção
Vai dissipar a tristeza, que mora no teu coração” Alberto Ribeiro, Braguinha & Lamartine Babo

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Não é preciso tocar um instrumento para ser um grande músico. Que o diga o carioquíssimo Lamartine Babo, de quem, sobre sua relação com a festa mais popular do país, Braguinha disse: “existe o carnaval antes e depois de Lamartine”. Em marchinhas, valsas e samba-canções, Lamartine puxa o desfile: “A tua pena não nega Lalá, tu és músico com louvor!”.

Canção para inglês ver (fox, 1931) – Lamartine Babo
Provavelmente oriundos da desigualdade social presente desde a origem e construção da nação, é interessante notar como os ditados populares quase sempre enveredam por este caminho. A música composta pelo carnavalesco Lamartine Babo em 1931, apresenta no título um desses ditados. “Canção para inglês ver”, utiliza a expressão que significa, nada mais, do que as constantes manobras de convencimento e enganação do povo brasileiro por parte de seus políticos e mandatários. “Para inglês ver” seria algo fictício, mentiroso, ilusório, sem poder de convencimento nem conexão com a realidade. Para completar, esse fox humorístico faz troça ao uso de expressões estrangeiras no país, identificadas com certo deslumbramento. Foi lançada por Lamartine e regravada por Joel de Almeida.

No Rancho Fundo (samba-canção, 1931) – Ary Barroso e Lamartine Babo
Luiz Peixoto, Noel Rosa e Vinicius de Moraes foram alguns dos que tiveram o privilégio de compor com Ary Barroso. Acostumado a criar letra e música sozinho, ele abria raras exceções para parcerias. Numa dessas, Lamartine Babo resolveu se intrometer a mexer na letra de J. Carlos, sobre música de Ary. “Na Grota Funda” perdeu o título original e recebeu versos mais inspirados: “No Rancho Fundo, bem pra lá do fim do mundo, onde a dor e a saudade, contam coisas da cidade”. A canção gravada por Elisa Coelho, em 1931, passou a se associar indistintamente a lembranças de um lugar tranquilo e sereno que o tempo se encarregou de varrer. Nos anos seguintes foi regravada por Silvio Caldas e Isaura Garcia. Como resultado, Ary Barroso ganhou o desafeto de J. Carlos e presenteou a música brasileira com uma parceria consagrada.

O teu cabelo não nega (marchinha, 1932) – Lamartine Babo & Irmãos Valença
Hábil observador dos costumes e com um humor próprio à sua época Lamartine Babo compôs, em 1932, a partir de um frevo dos irmãos pernambucanos Raul e João Valente recusado pela gravadora, e originalmente intitulado “Mulata”, de que o carioca aproveitou parte da melodia e recriou totalmente a letra, por considerá-la excessivamente regional, ele mal poderia considerar que se tornaria uma das músicas mais repetidas nos carnavais seguintes, embora já contasse com certo sucesso. A canção foi lançada por Castro Barbosa, da dupla com Jonjoca, e despertou o interesse de diversos cantores na ocasião, inclusive Almirante. Considerada em tempos posteriores de “politicamente incorreta”, como, aliás, boa parte das marchinhas do período, fosse pela característica maliciosa ou por retratar os hábitos e valores da década, “O teu cabelo não nega” está indiscutivelmente entre as obras mais consagradas de Lamartine. Em grande parte pela força e o ritmo de seu refrão.

Isto é lá com Santo Antônio (marcha junina, 1934) – Lamartine Babo
Identificado com as mais valiosas e repetidas marchinhas carnavalescas de seu tempo e dos seguintes, autor de praticamente todos os hinos de futebol dos clubes do Rio de Janeiro, Lamartine Babo não poderia ficar de fora de outra das mais populares celebrações brasileiras. Para isto tratou de compor, em 1934, “Isto é lá com Santo Antônio”, uma divertida e bem humorada marcha junina que brinca com uma das mais antigas tradições dispersadas entre as mulheres, sobretudo, do interior do país. A de evocar a ajuda ao “santo casamenteiro” para descolar matrimônio. E outros santos também entram na roda de Lamartine Babo, sempre tirando o seu da fogueira e empurrando o problema para aquele que é de fato e de direito o responsável pela questão. Resta saber agora quem vai ficar sozinho e quem vai arranjar um par. É dia dos namorados e Santo Antônio fica muito atarefado. Por isso não custa nada pedir uma ajudinha aos outros santos! A música foi lançada por Carmen Miranda e Mário Reis.

Hino do América-RJ (marcha, 1943) – Lamartine Babo
Os quatro grandes clubes da cidade do Rio de Janeiro, além do à época popular, América, tiveram seus hinos compostos pelo não menos popular Lamartine Babo. Famoso pelas composições carnavalescas, mas também por peças românticas e valsas, sendo a mais conhecida uma parceria com Ary Barroso (“No Rancho Fundo”), não chega a ser espantoso o êxito de Lamartine nas duas frentes. Se formos prestar atenção existe um quê de glória, de exaltação, de alegria tanto no gênero da marchinha quanto no hino. Pelo talento de Lamartine Babo, os torcedores de Flamengo, Fluminense, Botafogo e Vasco entoam a plenos pulmões os versos de exaltação e glória, além dos resistentes e bravos apaixonados pelo América, clube de coração de Lamartine. Tim Maia emprestou como ninguém a potência da voz para celebrar essas músicas, com exceção do Botafogo, e legou registros impressionantes para os clubes cariocas. Ele, outro apaixonado e torcedor convicto do América-RJ nos faz crer ser este o mais bonito dos hinos. Prova do poder da palavra e da intenção dos sentimentos.

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Raphael Vidigal

Fotos: Divulgação e Arquivo.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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