Samuel Rosa: “Esse governo neoliberal combate tudo que é transformador”

*por Raphael Vidigal

“Há bem aventurança em duvidar; eu me pergunto por quê.” Brecht

Samuel Rosa, 53, se lembra com nitidez da época em que tocava nas noites de Belo Horizonte e recebeu, em um desses bares que serviam de palco para o Skank, uma letra do futuro parceiro Chico Amaral. “Réu & Rei” foi a primeira música que a dupla compôs para o conjunto, cuja separação foi anunciada em novembro, após quase três décadas de estrada. Na época, Samuel falou com Amaral de sua “ambição de formar uma banda com acento de reggae, mas que misturasse também música brasileira e rock”, recorda ele. A canção mais recente dessa trajetória é “Algo Parecido”, que, ao ser lançada, em novembro de 2018, rapidamente alcançou o topo das paradas de sucesso. Com ela, o vocalista conta que “ousou voltar a escrever letras, algo que tinha deixado de lado” e que pretende retomar agora. “Foi uma experiência incrível, porque essa música se tornou uma das de maior apelo do Skank nos últimos anos. Digo que ela é um pouco autobiográfica, porque se passou comigo uma experiência que acontece com milhares de pessoas quando elas começam um relacionamento”, entrega.

1 – Você chegou a dizer em entrevistas que essa separação já vinha sendo pensada, e que sempre surgiam shows de grande porte que adiavam a decisão. Qual foi o fator determinante para que o anúncio da separação do Skank não fosse mais adiado?
Intuitivamente, até porque ninguém tem certeza de nada nessa vida, achamos que agora seria um bom momento, a banda está bem, com vigor, ainda é muito relevante no cenário da música brasileira atual. Teria sido muito triste parar por falta de escolha, não é? Imagina se ninguém desse mais bola e não restasse outra alternativa. Portanto, paramos enquanto parar ainda é uma escolha e não um fim de linha. Isso é um privilégio. Eu já vinha ensaiando projetos solo, com o Grupo Corpo, Lô Borges e composições com vários outros músicos. Não foi de agora, foi gradativo. Quero me experimentar em outros meios e sem as facilidades conquistadas por mérito pelo Skank. Correrei riscos e terei desafios.

2 – O que você diria que mais aprendeu com o Skank e como membro de uma banda mineira que conseguiu fazer sucesso sem deixar Belo Horizonte?
Aprendi muito sobre a vida e sobre o ser humano. Lidar com o público, com a opinião pública, com o julgamento e com o crivo, a aprovação ou não de multidões é algo que nos ensina e que nos marca profundamente.

3 – Na sua opinião, qual o principal legado do Skank para a música brasileira?
O legado do Skank é importante, saímos de um gueto improvável para o pop rock naquele início dos anos 90, ganhamos o Brasil, abrimos a porta para novas bandas de BH quando, mercadologicamente, reacendemos a vendas do seguimento. Fomos um dos primeiros da nossa geração a fazer isso. Enquanto que, esteticamente, tínhamos uma proposta pioneira diferente da consagrada pelo pop rock da geração anterior. Agradamos e atingimos muita gente com um texto legal, com conteúdo e propostas estéticas criativas para a época. O que mais pode almejar uma banda no Brasil? Conseguimos soar relevantes até os dias atuais. Para chegar até as pessoas, não abusamos da repetição de fórmulas consagradas, o nosso texto nunca foi pueril e nem idiota. Acho isso um feito, modéstia à parte.

4 – Como tem visto o momento político do país?
A política desse governo neoliberal segue à risca os seus preceitos. Combate tudo o que é novo e transformador. E o que esse governo não quer é ver seus dogmas sisudos e anacrônicos ameaçados. É um governo rígido e dogmático, e tudo que arte e ciência propõe basicamente, são transformações a partir do conhecimento e das experimentações, e isso é muito ameaçador. Daí, talvez, o descaso desse governo com o saber e com a cultura.

Fotos: Eduardo Anizelli; e Karime Xavier, respectivamente.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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