“Asterix sempre foi um cultor da diversidade”, diz chargista Renato Aroeira

“A cabra deu ao nordestino
esse esqueleto mais de dentro:
o aço do osso, que resiste
quando o osso perde seu cimento.” João Cabral de Melo Neto

Eles são apreciadores inveterados de carne de javali, com a qual se empanturram em animados banquetes noturnos, veneram os deuses celtas, exclamam “por Tutatis!” sempre que algo os surpreende e têm um único medo: que o céu caia sobre suas cabeças. Criados há 60 anos pela dupla de quadrinistas franceses René Goscinny e Albert Uderzo, as histórias de “Asterix” se transformaram em um símbolo nacional capaz de ultrapassar barreiras geográficas e até espaciais, com direito a um satélite batizado de “Asterix”. Ouvimos o chargista belo-horizontino Renato Aroeira e o tradutor português Pedro Bouças sobre os irredutíveis gauleses.

Renato Aroeira
1 – Como começou a sua relação com os quadrinhos de Asterix?
Eu vi pela primeira vez em uma revista francesa, em capítulos. Era “A Foice de Ouro”, e tive acesso a apenas três páginas. Fiquei maluco! Mas só consegui ver a história toda anos depois, quando lançaram os álbuns aqui. O desenho genial me fascinou primeiro.

2 – De que maneira o humor, o traço, o discurso e a visão de mundo presentes nos quadrinhos de Asterix te influenciaram enquanto chargista?
Basicamente, Asterix sempre foi um cultor da diversidade. Mesmo com o humor algumas vezes perpassado pelos preconceitos europeus, a aceitação das diferenças culturais é um ponto alto. A precisão dos desenhos e os diálogos geniais me influenciaram muito. Menos pelo estilo dos personagens e mais pelo desenho das coisas.

3 – Tem algum personagem dos quadrinhos de Astérix que é o seu predileto ou com o qual você mais se identifica?
Sempre gostei do druida Panoramix e do bardo. Por razões óbvias, no caso do Panoramix, sou nerd, fiz física e matemática. E sou músico, como o bardo Chatotorix.

4 – O que achou das transposições dos quadrinhos de Astérix para o cinema?
Só gostei de uma, a última, “Asterix e o Segredo da Poção Mágica”. Excelente animação, fiel ao humor original.

5 – Passados 60 anos desde a criação dos quadrinhos de Astérix, na sua opinião o que mantém a perenidade da obra e o que esta obra tem a dizer de mais relevante para os dias atuais?
A qualidade gráfica é um ponto forte nesse quesito. O desenho continua cativante, elegante, e a quadrinização ainda é moderna e atraente. O texto perdeu um pouco com a morte de René Goscinny, mas recuperou-se o suficiente para continuar de alto nível. Para os dias atuais, acho que a insistência dos autores em apresentar a Europa como um caldeirão multicultural é um ponto muito positivo, que combate a xenofobia onde ela nasce.

Pedro Bouça
1 – Como começou a sua relação com os quadrinhos do Asterix?

Eu sou português e lá quadrinhos como Asterix e Tintim são meio que tradições familiares. Sempre teve algum Asterix ou Tintim na minha casa desde que eu me entendo por gente. Então, é até difícil dizer qual a minha memória mais antiga, é algo que para mim sempre existiu.

2 – O que define o estilo dos quadrinhos de Asterix, qual a principal marca?
Sem dúvida, o humor é a característica principal, com o mérito de que, conforme você amadurece, vai vendo mais aspectos que tinham passado em branco quando você era moleque, como as sátiras mais elaboradas. Asterix é o quadrinho humorístico quase perfeito.

3 – Como vê a representação feminina nos quadrinhos de Asterix?
A representação feminina é típica dos quadrinhos do tempo da sua criação e para o público a que eram voltados, essencialmente meninos. São poucas personagens e bastante estereotipadas. Embora, para ser justo, isso vale para a maioria esmagadora dos personagens masculinos também. Mas, para ser justo, a representação de Cleópatra na série é mais positiva do que a de César.

4 – De que maneira o aspecto político está presente na obra?
A política está muitíssimo presente em alguns álbuns em particular, como “O Presente de César”, embora não fosse o assunto principal da série. Goscinny tentava fazer as suas sátiras da forma mais ampla possível para a obra não ficar demasiado francesa ou demasiado do seu tempo, o que é um dos segredos da série.

5 – Tem algum personagem dos quadrinhos de Asterix que é o seu predileto ou com o qual você mais se identifica?
Acho que o favorito de todo mundo é o Obelix, que é aquele gigantão que se comporta como um garoto. É um dos personagens mais amados dos quadrinhos. Mas, em termos de identificação, é mais com os legionários romanos, que não se meteram nessa porque queriam, são os chefes quem decidem tudo, e sempre acabam apanhando.

6 – O que explica o fato de uma história francesa ter atingido uma assimilação mundial?
Difícil explicar, mas o Asterix é francês na forma, não no conteúdo. Goscinny, o argumentista, cresceu na Argentina e viveu muitos anos nos Estados Unidos antes de voltar definitivamente para a França, enquanto Uderzo, o desenhista, é filho de imigrantes italianos, então ele é produto de autores cosmopolitas. No fundo, a temática da série é universal, como é a do mais antigo Tintim, embora na essência esse fosse bem mais eurocêntrico.

7 – Passados 60 anos desde a criação dos quadrinhos de Asterix, na sua opinião o que mantém a perenidade da obra e o que esta obra tem a dizer de mais relevante para os dias atuais?
É como eu expliquei antes, a universalidade dos temas e o cuidado para que a obra não fosse demasiado regional ou contemporânea contribuíram para que ela tivesse essa longevidade. Repare que outras obras do argumentista Goscinny, como “Luke e “Iznogoud”, têm méritos similares. E eu penso que, enquanto existir o tema dos fracos que não se dobram ao autoritarismo e ridicularizam os fortes, a série terá o seu espaço.

Raphael Vidigal

Imagens: caricaturas de Renato Aroeira e Pedro Bouça, respectivamente.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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