Crítica: peça “Josephine Baker: a Vênus Negra” conta história de dançarina com graça e didatismo

“Como disciplina,/Passa o lírio pelo solo negro;
Seu alvo rizoma não se abala/E sua fé nada teme.
Mais tarde, por entre a erva,/Balança a campânula de berilo;
A vida, entre torrões, esquecida agora,/Em êxtase e precipício.” Emily Dickinson

Quem procurar fotos de Josephine Baker (1906-1975) na internet vai encontrar de tudo: desde caretas a poses sensuais, com muita nudez e roupas extravagantes, algo que não era assim tão comum de ser registrado na década de 1920. Essa dicotomia entre o sublime e o ridículo marcou toda a trajetória da cantora e dançarina norte-americana, que foi uma das pioneiras na libertação feminina, mas que, em sua época, teve de travar ainda uma outra batalha: aquela contra o racismo que, a despeito dos que pregam alguns, permanece incrustado em nossa sociedade.

“Josephine Baker: a Vênus Negra” tem por mérito estabelecer essa relação entre presente e passado, principalmente através da intérprete da protagonista. No movimento entre o real e a fantasia, Aline Deluna compõe uma Josephine carismática e crível. A opção dramatúrgica, no entanto, traz alguns percalços. Didática, a peça opta por narrar a vida agitada e incomum de Josephine, ao invés de mostrar esses acontecimentos. O texto de Walter Daguerre e a direção de Otávio Muller também dão prioridade ao humor, ainda que dramas tenham atravessado o caminho da artista, que encontrou na França o seu refúgio amoroso e artístico. Quando a emoção aparece, exatamente por sua pontualidade, o espetáculo cresce.

A escassez de recursos justifica o cenário despido, nutrido apenas pelos instrumentos que acompanham Aline no palco. Aliás, os músicos se revezam nos papeis de coadjuvantes, e cumprem muito bem a missão. A iluminação tampouco chega a chamar atenção. Ao contrário da trilha sonora, afinal de contas não dava para economizar naquela que foi a principal forma que Josephine encontrou de se posicionar no mundo e o meio que ela escolheu para comunicar suas emoções. Ao fim e ao cabo, a peça traz à tona a existência de uma mulher que precisa ser melhor conhecida, ainda mais em tempos tão sombrios e desumanos. O batismo que Josephine deu para as 12 crianças de etnias diferentes que ela adotou é a síntese de seu discurso: tribo arco-íris.

Raphael Vidigal

Fotos: Divulgação.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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