“Rezam meus olhos quando contemplo a beleza.
A beleza é a sombra de Deus no mundo.” Helena Kolody
Zé da Luz afunda as botinas roxas na lama onde o carro morre, e também os sonhos. Qual detém o maior peso? O mais sublime peso? Maciço e irregular varia sob nossas patas, insetos ou aves, pouco importa, nada importa, voamos ao redor de luzes, e Zé com a sua lanterna de séculos ilumina nossas caras magras. Os dedos indicam povos, pivôs, palcos, perfídias e pururucas, mas é muita volta para pouco laço, muito cadarço e faltando sapato. O saber aristotélico aristocrático erótico asiático dessa gente de olhos claros, sotaque puxado para o alemão na roça, paulista na cidade, ribanceira duma enseada que inevitavelmente naufraga, ou naufragará rebentando o bucho o bicho a broa de fubá enrolada num papel jornal. Improvável. Tímido como uma tartaruga é difícil lhe arrancar palavra: Zé da Luz: e o sonho.
É que fala através de notas, não escolares, mas acordes, nem que ele durma, vive no mundo da música. Ausente de leis e regras óbvias, lógicas, tecnocráticas. Revigora a áurea entalada na garganta, o osso da galinha de Alcântara: árabe: um mais um é igual a quatro. Ele é calado, nada se expressa, não sobe em árvores: Zé da Luz: e o sonho. É que se vocês continuarem apostando nas mesmas estratégias, de guerra, elas serão fartas, mais do que satisfeitas, mas cheias de suas pretensas e obtusas soluções práticas. Não há nada mais vulgar do que uma solução prática: seja no mundo dos anjos: ou das criadas: das efemérides: ou das mulatas: mudança de clima: sabor: pala. Vira-lhe as costas e suas costelas seguem comidas por vírus e bactérias, garças. Zé quando manca prevê o futuro: da Luz: sonho.
Raphael Vidigal
Imagens: Obras de Modigliani.