“Parece póstumo, parece sonho.
Alguma coisa não muda,
minha fraqueza me põe no caminho certo.” Adélia Prado
O significado de mulher para José é uma rosa aberta. Nasce o sorriso na caveira do homem, por pouco iluminada como uma pintura de Caravaggio, com um feixe de luz direto e oblíquo, preto, porém branca luz. Por nunca ter ouvido nome igual àquele assovia como um menino ladrão de goiabas. Mas desde quando a realidade importa frente a um menino roubando goiabas? José é apenas josé, uma criança desperta, despedaçada, infeliz como a rosa da Rosa do buquê de rosas da dama do filme, da canção de Fellini. O agrado é um doce de rapadura e chá morno: fácil, direto, rápido. Zaira uma massa gorda, compacta, corpulenta, antipática, de óculos escuros prendendo as orelhas e o nariz respirando impune. O juiz desconhece a maleabilidade do caráter, muda rapidamente de opinião, como o cão diante do osso e de repente já é bumerangue.
As olheiras cansadas de Bukowski e Kerouac. Mal senta na cadeira começa a incomodar, igual a um cão sarnento, de pulga e ressaca, procura a laje para se perfumar, parede de vidro à coceira graúda. Todos explicam, ela pergunta. Finge a resposta, e se equivoca. Admira a mania dos polidos pelo artefato da interrogação. Distribui amargos sorrisos, e grita, esperneia, arfa a mulher grand-e-loquente. Todavia, sempre aquele sujeito devastado. Ao final das labutas exaustas está absorta nos pensamentos rocambolescos do final do século XV. Maneirismo em tudo o quanto era estátua, as pessoas ali paradas, movimentam as marcações do filho do Sonho, de Pasolini.
Apaga num vento hidráulico de veias hirtas e cavas. À espera da morte na manhã seguinte. Uma galinha se locomove em pernas finas demais, distantes e inseguras. O motorista da perua com interesse nítido em levar as crianças para a escola. Ele, com papo fútil e riso besta gargalha, essa se espalha cheia de ebulições e mal distingue a ironia do escárnio como o azeite da água. Na hora tolerante e calma apenas a arrogância da confraternização ensaiada, dispersiva, falsa. Alimento somente pretexto para barriga vazia dar de comer ao estômago ao se prescindir de cachos de uva à pança. Dissipa os murchos salgadinhos e refrigerantes.
Serão mesmo recomendadas para a virgem santa as toalhas de “linho branco que até o mês passado lá no campo ainda era flor?”, toca no rádio de pilha a canção de Fagner e Belchior; para a carola os terços brancos banhados a ouro em pó? Dúvidas e corte agora a faca serve queijo e goiabada. Anoitece na península. Santa Maria enrosca o focinho gelado no húmus, em busca dum afago íntimo e abrasador. No pêndulo de corolas esganiçadas o tempo desimpedido corre arrancando espaço por onde o vento laça a curva. Na cama, o cansaço. Solidão inominável o destino dos homens da terra. Por quanto tempo ainda?
Raphael Vidigal
Pinturas: Obras de Caravaggio.